Título: Para entrar, é preciso seguir uma cartilha exigente
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/09/2004, Transparência Corporativa, p. A-16
As regras são rígidas e as exigências são muitas. Isso, porém, não impede que cada vez mais empresas migrem para os três níveis diferenciados de governança corporativa da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa): Níveis 1 e 2 e Novo Mercado. Esse último é o mais elevado e, para listar ações lá, a companhia tem que ter apenas papéis ordinários (ON), que dão direito a voto) no mercado. Ao todo, 39 companhias já aderiram a um dos três segmentos.
Este ano, as empresas que lançaram ações e estrearam na Bovespa - Natura, Gol, América Latina Logística (ALL) e as próximas da lista: Grendene e CPFL Energia - escolheram aderir ou ao Novo Mercado ou ao Nível 2, que têm praticamente as mesmas exigências, com a diferença que, no Nível 2, a companhia também pode ter ações preferenciais (PN, que não dão direito a voto).
Em todos as ofertas de ações, a demanda foi muito maior que a oferta - no caso da Natura, dez vezes. "O investidor mostrou estar interessado em comprar ações de boas empresas, que tenham práticas elevadas de governança corporativa", disse recentemente o presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho.
Além das novatas, companhias já listadas na Bovespa migraram para os segmentos (ou anunciaram a intenção de migrar). A última a anunciar a proposta a seus acionistas da ida para o Novo Mercado foi a Companhia Energética de Goiás (Celg). Ainda no setor elétrico, a Eletropaulo tem a intenção de ir para o Nível 2.
A Eternit também queria ir para o segmento, mas por um problema de conversão das ações PN em ON (a companhia não conseguiu converter 100% dos papéis), decidiu ir para o Nível 2.(Veja matéria nesta página)
Em termos de regras, o Nível 1, que tem 31 empresas listadas, as exigências se referem basicamente a maior transparência de informações. Já no Nível 2 e no Novo Mercado, a empresa se compromete com uma série de práticas que vão além do que exige a Lei das S.A, que, em geral, procuram ampliar os direitos dos acionistas - principalmente os minoritários - e melhorar a qualidade das informações prestadas.
Além disso, a resolução dos conflitos societários tem que ser feita pela Câmara de Arbitragem, e não pelo Poder Judiciário. Os participantes da Câmara são os controladores e administradores da empresa, além dos membros de seu Conselho Fiscal e a Bovespa. Os investidores também podem participar. A Câmara é composta por, no mínimo, 30 árbitros, escolhidos pela bolsa.
O Novo Mercado (junto com os Níveis 1 e 2) foi criado em dezembro de 2000. A primeira adesão, porém, só aconteceu em fevereiro de 2002, quando a Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) abriu o capital e listou suas ações no segmento. Dois meses depois foi a vez de a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) aderir. Depois dela, foram dois anos sem novas adesões. A Natura, em maio deste ano, quebrou o jejum.
A idéia de criar um mercado com regras de listagem diferenciadas surgiu a partir do estudo "Desafios e Oportunidades para o Mercado de Capitais Brasileiro" elaborado pela consultoria MB Associados, do qual participaram, entre outros, os economistas José Roberto Mendonça de Barros e José Alexandre Scheinkman e o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Luiz Leonardo Cantidiano. Uma das principais conclusões dos especialistas é "o aprimoramento do mercado de capitais é decisivo para que este possa cumprir seu papel de financiador do crescimento econômico".
O estudo utilizou a experiência do Neuer Markt alemão como uma referência importante. O levantamento também cita outros exemplos europeus: Nouvéau Marché (França), TechMark (Inglaterra) e Nuovo Mercato (Itália). A diferença é que eles foram criados com o objetivo de atrair empresas de setores de rápido crescimento e alta tecnologia, como internet, telecomunicações, mídia, biotecnologia, etc. Já o Novo Mercado da Bovespa não faz qualquer restrição ao setor ou tamanho das empresas.
Entre as principais exigências do Novo Mercado, está a necessidade de que a companhia tenha no mercado uma parcela mínima de ações ON de 25% de seu capital (o chamado "free float").
Além disso, a Bovespa exige a extensão para todos os acionistas das mesmas condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia ( "tag along"); a empresa precisa informar também as negociações envolvendo ativos e derivativos de emissão da companhia por parte de acionistas controladores ou administradores da empresa. A razão é esses executivos têm informações sobre a companhia que a grande maioria dos acionistas não dispõem - como aconteceu nos Estados Unidos, com a Enron, onde funcionários da empresa venderam ações antes das fraudes contábeis serem divulgadas.
Alguns desses compromissos deverão ser aprovados em Assembléias Gerais e incluídos no Estatuto Social da companhia. A empresa também assina um contrato com a Bovespa.
No Nível 2, a empresa pode ter também ações PN no mercado. A Bovespa exige, porém, que a companhia ofereça "tag along" nas preferenciais de pelo menos 70% - ou seja, se a companhia for vendida, o minoritário vai receber pelo menos 70% do preço que os controladores receberam. A Lei das SA não exige "tag along" para as PN, apenas para as ON. Outra regra da bolsa é os preferencialistas tenham direito de voto em algumas questões, como transformação, incorporação, cisão e fusão da companhia. As empresas do Nível 2 também são obrigadas a recorrer à Câmara de Arbitragem para resolver conflitos societários.