Título: Trem alta velocidade
Autor: Torelly, Luiz Philippe
Fonte: Correio Braziliense, 15/03/2011, Opinião, p. 15

Arquiteto e urbanista

A implantação do Trem de Alta Velocidade (TAV) entre Rio de Janeiro e São Paulo obedece a uma tendência mundial de criar alternativas ao transporte aéreo para médias distâncias. Sua implantação desencadeará intensas transformações na região mais urbanizada do país, que abriga em torno de 35 milhões de habitantes e concentra cerca de 22% do PIB. Neste contexto, é relevante evidenciar as possibilidades de geração de receita, especialmente de natureza imobiliária, que colaborem na viabilização do empreendimento.

É conhecida a capacidade dos transportes de massa de alterarem substancialmente a ocupação do solo urbano. Especialmente no que diz respeito à intensidade de utilização e aos diferentes tipos de uso. A velocidade de deslocamento potencializa esta comprovada tendência, na medida em que pode permitir que funções urbanas e atividades econômicas possam se localizar fora das regiões metropolitanas, com vantagens comparativas.

O entorno das estações serão pontos nodais de extrema importância, para a organização do território e da economia. Como a valorização dessas áreas será conseqüência dos investimentos no TAV, cujo agente promotor é o governo federal, é bastante razoável que parcela desta receita seja apropriada pelo projeto, colaborando para sua viabilidade ¿ receita essa que deve ser sempre compartilhada com estados e municípios. A Lei nº 10.257, denominada Estatuto da Cidade, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes e instrumentos que podem concretizar este objetivo.

É essencial que a União, como ente federativo coordenador do projeto, proponha a criação de um consórcio, em conjunto com estados e municípios, e desenvolva um plano regional, capaz de estabelecer estratégias, objetivos e diretrizes que, além de maximizar e distribuir os resultados positivos do investimento, assegurem a proteção dos recursos naturais e o desenvolvimento socioeconômico sustentável.

São vários os instrumentos do Estatuto que podem ser utilizados, isoladamente ou combinados, especialmente nas denominadas Operações Consorciadas. Entre eles, destacamos a desapropriação; a outorga onerosa do direito de construir e de uso e o direito de superfície. Simultaneamente, os municípios poderão emitir títulos denominados ¿Certificados de Potencial Adicional de Construção¿ ¿ Cepacs, que podem ser alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.

Tendo como princípio estabelecido na Constituição e no Estatuto da Cidade de que o poder público detém a prerrogativa de legislar sobre o uso do solo urbano e que as outorgas daí decorrentes conferem valor às propriedades privadas ou públicas, sugere-se que se incorpore, ao edital do TAV, a apropriação das receitas geradas, repartidas entre investidores públicos, institucionais e privados, na medida de suas participações.

A implantação do TAV trará para a sua região de influência muitas possibilidades e alternativas de desenvolvimento. Sem dúvida é um projeto estratégico para o país, capaz de alterar para melhor nossa matriz de transportes e o espaço econômico e social, polarizado pelas duas mais importantes metrópoles do Brasil. Para que sua viabilidade seja alcançada, especialmente em decorrência de seu alto custo ¿ R$ 35 bilhões ¿, são fundamentais que sejam incorporadas ao projeto as receitas da valorização imobiliária gerada por sua implantação. Ainda não é possível calculá-las. Para tanto, teríamos que desenvolver projetos para o entorno das várias estações e estimar as receitas decorrentes da aplicação das operações consorciadas.

O Estatuto da Cidade é uma lei construída com grande legitimidade para garantir a função social da propriedade. Sua aplicação, mediante as operações urbanas e outros instrumentos, poderá trazer para o TAV, e para os estados e municípios, importante fonte de receita, além de um processo de ocupação do território, ordenado e compatível com a preservação ambiental. Seu esquecimento poderá resultar ao longo de seu trajeto, na manutenção do indesejável binômio que hoje vemos em nossas grandes cidades. De um lado, carência de serviços públicos, habitações precárias, ambiente degradado e violência social; do outro, apropriação privada da valorização imobiliária, tornando escassos os recursos necessários ao justo desenvolvimento social e econômico.