Título: Sem investimentos, expansão da classe média será revertida
Autor: Assis,Jaime Soares de
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/11/2008, Nacional, p. A4

São Paulo, 17 de Novembro de 2008 - A parcela da massa de trabalhadores que ascendeu à classe média nos últimos anos poderá ser forçada a trilhar o caminho de volta. Esta mobilidade social, puxada pelo crescimento econômico e pela explosão do consumo baseada na ampla oferta de crédito, é frágil e dificilmente resistirá às turbulências provocadas pela crise internacional em 2008 e ao cenário recessivo que se projeta para 2009.

A expansão da classe média provocou relativa euforia à medida que as pesquisas de mercado refletiam o fenômeno, comenta Waldir Quadros, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) em seu estudo sobre "A evolução recente da estrutura social brasileira". Esses levantamentos incorporaram os efeitos do forte ciclo de consumo, apoiado na expansão do financiamento sujeito a "bolhas", sem utilizar como critério de classificação apenas a renda declarada.

"O cenário de seis meses atrás agora é outro. O crescimento de 2004 a 2008 já acabou e esta estrutura já está em crise", afirma. Nos estratos superiores da classe média o quadro é de estagnação e não apresenta alterações importantes, afirma Quadros.

A melhora das condições sociais, provocada pelo crescimento robusto, foi evidente nos últimos anos. De acordo com Quadros, a evolução do Produto, conjugada ao incremento médio do salário mínimo, de 4,8% ao ano, a formalização dos contratos de trabalho e a transferência de renda promovida pelos programas sociais montaram o cenário que resultou no aumento da mobilidade social, principalmente na camada da massa trabalhadora que ascendeu para a baixa classe média.

Segundo o economista, o que existe atualmente é "um congestionamento na classe C que tenta se manter mas não tem passagem para cima". O cenário econômico neste final de ano, marcado pela restrição de capital de giro para o pagamento do 13 salário, por lojistas preocupados com o desempenho das vendas e pela retração da demanda, sinaliza que "os que subiram (à classe média) se tornaram agora candidatos a descer".

A dimensão do impacto vai depender do alcance da crise internacional e de como ela afetará o País. Nesse aspecto, o comportamento do governo será decisivo. Na avaliação de Quadros, se não houver uma mudança na política econômica, com redução da taxa de juros e aumento dos gastos públicos e investimentos para minimizar os danos de uma recessão futura, os recém-chegados à classe C dificilmente conseguirão se sustentar nesse estrato social. "O governo deveria dobrar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)", assinala o economista.

O estudo de Quadros, que utiliza os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), indica que o crescimento econômico deflagrado a partir de 2004 resultou das condições favoráveis do mercado mundial. No período de 2004 a 2007, o Produto Interno Bruto (PIB) registrou uma expansão média de 4,5%, quando em 2003 essa taxa era de 1,15%.

Crescimento relativoAs oportunidades de trabalho, segundo o estudo de Quadros, se concentraram nas faixas inferiores de remuneração em decorrência das condições macroeconômicas desfavoráveis aos setores produtivos de alta tecnologia, mais sofisticados e complexos. Esta abertura de espaço para mão-de-obra no mercado de trabalho permitiu que 27,4 milhões de pessoas saíssem da miséria de 2003 até 2007. Nesse mesmo período, 19,5 milhões de pessoas foram incorporadas à classe média.

Entre 2003 e 2007, as alterações mais profundas ocorreram na base da pirâmide. A população classificada como alta classe média passou de 12,7 milhões para 15,3 milhões de pessoas. O contingente inserido na faixa média passou de 18,1 milhões de pessoas para 24,2 milhões e a baixa classe média saltou de 56,5 milhões para 67,1 milhões. A massa trabalhadora passou de 56,9 milhões para 60,8 milhões. A população no nível da miséria caiu de 41,8 milhões para 15,5 milhões de pessoas no período.

A PNAD de 2008 não deve apresentar alterações significativas em relação aos dados anteriores por conta do desempenho do mercado de trabalho. As preocupações se concentram em 2009. Segundo o estudo, o padrão de classe média pressupõe o acesso, com recursos próprios, a educação de qualidade, cursos de idiomas, viagens internacionais, convênios médicos, moradia e serviços especializados. A baixa classe média não conseguiu alçar a esse patamar suportada por suas fontes individuais de renda. "Ela foi criada sobre uma ilusão de riqueza que não estava apoiada na renda efetiva", afirma Quadros.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 4)(Jaime Soares de Assis)