Título: Cúpula estabelece medidas e prazo anticrise
Autor: Hessel,Rosana
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/11/2008, Internacional, p. A14

Washington, 17 de Novembro de 2008 - Quem achava que a cúpula do G20 sobre Economia Mundial e Mercados Financeiros não ia dar em nada se surpreendeu com o resultado da reunião convocada pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, neste fim de semana em Washington. O comunicado oficial de dez páginas divulgado na tarde de sábado mostrou que tanto as nações ricas quanto as emergentes estão comprometidas em tomar medidas para evitar que uma depressão atinja todas as economias como aconteceu na década de 1930, durante a Grande Depressão.

Tanto o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva quanto o presidente em final de mandato e anfitrião do encontro demonstraram extrema satisfação com o texto acordado entre os presidentes e chefes de Estado do grupo que tende agora a substituir o G7 - grupo das economias mais ricas do globo: Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Japão, França, Itália e Canadá -, assim como o G8 - que inclui a Rússia - , em decisões sobre os rumos da economia mundial.

Em meio aos dados alarmantes de que as economias da zona do euro já estão em recessão, a cúpula corou o ganho de importância dos países emergentes, como Brasil, China e Índia, que serão responsáveis por cerca de 100% do crescimento mundial neste e no próximo ano, conforme dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil também se destacou não somente por presidir o G20, mas também por ser considerado uma das economias mais resistentes à crise de acordo com jornalistas estrangeiros baseados na capital americana que acompanhavam o evento.

O G20, além do G8, é integrado por Brasil, Argentina, China, África do Sul, Índia e demais economias emergentes que juntas representam 90% do Produto Interno Bruto (PIB) global, conforme dados fornecidos pelo subsecretário do Tesouro americano, David McCormick.

Com um amplo plano de metas em várias frentes, mas com cinco objetivos chaves: encontrar um entendimento sobre as origens da crise global, revisar ações tomadas e procurar combater a crise e fortalecer o crescimento, concordar em princípios comuns para a reforma dos mercados financeiros, lançar um plano de ação para implementar os princípios dessa reforma com recomendações específicas que serão revisadas pelos líderes em uma nova cúpula em seguida e reafirmar o comprometimento com os princípios do livre mercado.

O governo brasileiro ficou bastante satisfeito pela inclusão de várias propostas feitas durante a reunião ministerial do G20 em São Paulo, na semana passada, especialmente a proposta sobre uma maior transparência nas operações com derivativos. Os presidentes reunidos no sábado no National Building Museum, inclusive, acrescentaram mais itens do que os propostos pelos ministros na véspera durante a reunião preparatória.

No entanto, apesar de o texto considerar a necessidade de uma reforma no sistema financeiro, com a implementação de clearings para melhor controle das operações de derivativos e mercados futuros - algo semelhante ao que existe no Brasil e uma das propostas brasileiras -, a ampliação das participações dos países emergentes no FMI, que deverá ampliar seu papel nessa reforma do sistema financeiro, não foi definida pelo comunicado, lembrou uma fonte ligada ao governo.

A representação dos diferentes países no FMI é baseada na ordem econômica que não corresponde mais à existente na criação da instituição em 1944. O FMI foi submetido a uma pequena reforma, concluída no ano passado, mas foram muito pequenas. No conselho administrativo, por exemplo, a Bélgica tem poder 50% maior ao do Brasil, e a França, 32% mais que a China.

Essa maior participação foi sinalizada no Fundo de Estabilidade Financeira (FSF, na sigla em inglês). Essa instituição, sediada em Genebra, reúne o BIS (o banco central dos bancos centrais) composto somente pela elite do mercado financeiro e inclui Cingapura e Hong Kong. China e Brasil, por exemplo, não são membros e deverão ter representação junto ao FSF.

O comunicado conjunto do G20 fixou datas-chaves, o que demonstra que as medidas acordadas não ficarão apenas no papel. Além de estabelecer o final de dezembro como data limite para a conclusão da Rodada Doha, de negociações para a liberalização comercial no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), o comunicado definiu que uma nova reunião dos líderes do G20 deverá ocorrer até 30 de abril. Por sugestão dos presidentes na cúpula em Washington, esse encontro deverá ser realizado na Inglaterra já que a Grã-Bretanha será a próxima nação a presidir o G20.

O documento também fixou o dia 31 de março de 2009 como data limite para a formatação de um Plano de Ação, com recomendações acerca dos novos padrões para a regulamentação do sistema financeiro global, de forma a fortalecer a transparência dos mercados de derivativos, reduzindo o risco sistêmico, entre outras. A elaboração dessas recomendações será coordenada por Brasil, Reino Unido e Coréia do Sul uma vez que este último presidirá o G20 em 2010.

Força do G20

"O maior avanço da reunião foi que conseguimos reunir os líderes dos maiores países do mundo em uma mesa para discutir a crise global e suas soluções. Essa obtenção de um consenso, uma análise da crise como enfrentá-la foi o principal avanço que tivemos. O segundo avanço é que a escolha de um fórum que represente os países emergentes. Não se trata mais do G7, mas do G20 que está à frente desse processo", comemorou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que também é o presidente do G20 em exercício. "Como estamos enfrentando uma crise global, o G20 que representa 85% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, os principais países emergentes e avançados é mais eficaz porque as soluções precisam ser de todos", afirmou o ministro no sábado ao término do encontro.

O presidente Bush também comemorou o sucesso da cúpula, mas insistiu que há mais trabalho a ser feito para combater a crise financeira. "Houve um entendimento comum entre todos nós de que devemos adotar políticas pró-crescimento econômico", disse Bush. Em seu pronunciamento ao final do encontro, Bush destacou que escolheu convocar o G20 ao invés do G8 ou de um G13 porque a questão fundamental é que os integrantes do grupo, com nações nos seis continentes do globo, representam diferentes estágios de desenvolvimento econômico, sendo possível atingir acordos substantivos como o que foi atingido no sábado.

Reunião histórica

O presidente Lula definiu a reunião como um fato histórico. "Saio daqui com a certeza de que a geografia política do mundo ganhou uma nova dimensão. Eu que já participei de 300 reuniões, que já discuti individualmente com todos os líderes, só posso dizer que o dia de hoje é um dia histórico para a política mundial. Eu não diria que é o fim do G8, porque depois de tanto tempo reunido, virou um clube de amigos, em que as pessoas vão continuar se reunindo. O dado concreto é que, pela força política, pela representação dos países que foram inseridos no G20, eu penso que não tem mais nenhuma lógica tomar decisões sobre economia, sobre política, sem levar em conta esse fórum de hoje", disse o Lula.

Mantega lembrou ainda que "não se pode demorar em fazer o tratamento da crise. Bretton Woods, por exemplo, demorou três anos para ser concluído. Se demorarmos três anos, estaremos todos quebrados. É preciso rapidez, agilidade e coragem para evitar que a crise se alastre", afirmou o ministro.

Cadeiras cativas

Autoridades da Espanha e da Holanda também foram convidadas para participarem da reunião de cúpula do G20 em Washington. O secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, foi outra presença no encontro assim como o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, e o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick. As duas instituições também possuem assentos fixos nas reuniões do G20 Financeiro desde a sua criação em 1999.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14)(Rosana Hessel)