Título: Brasil volta da reunião com trunfos nas mãos
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Fonte: Gazeta Mercantil, 17/11/2008, Internacional, p. A14
17 de Novembro de 2008 - O ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, a exemplo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda Guido Mantega, voltou da cúpula do G20 com vários trunfos nas mãos.
O presidente e Mantega, pela vitória de conseguirem dar uma expressão política para o G20 financeiro e colocar o Brasil no centro das discussões sobre economia global, uma vez que o País preside o grupo criado em 1999 e integrado por ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais da África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e União Européia.
Já o chanceler brasileiro deixou Washington com a esperança de que a estratégia política internacional voltada para o multilateralismo não fracasse total-mente. Aliás, essa era a previsão dos mais críticos a essa estratégia do governo Lula, especialmente depois do impasse em julho, na última reunião ministerial dos países membros da Organização Mundial de Comércio (OMC) de negociações para um acordo da Rodada Doha.
Com a definição pelos presidentes do G20 Financeiro de uma data para a conclusão de Doha - até o final do ano -, surge novamente uma oportunidade para que a Rodada consiga ser concluída. Lançada em 2001, a agenda de desenvolvimento de Doha vislumbra uma liberalização maior do comércio internacional, mas sofreu inúmeras interrupções nas negociações devido ao impasse entre EUA e UE em resistirem em reduzir os subsídios agrícolas enquanto os países em desenvolvimento evitam abrir mais ainda os seus mercados aos produtos industrializados.
E, apesar de o Brasil como líder do G20 Comercial - integrado somente pelas nações em desenvolvimento - ter cedido às pressões dos EUA e da UE para aceitar o acordo em julho, Índia - outro líder do grupo - e China recusaram a proposta e bloquearam a que era considerada a última chance de um acordo para Doha neste ano.
Essa definição, superou as expectativas das autoridades brasileiras uma vez que os presidentes do G20 fizeram mais adições ao comunicado do que cortes nas propostas feitas na véspera pelos ministros. "Até a Rodada Doha, que estava meio encantada, desencantou. Isso aconteceu porque é importante em um momento como este que o comércio internacional, continue, se desenvolva, e não aconteça o que aconteceu nos anos 1930, quando o protecionismo foi considerado a solução", disse o ministro Mantega lembrando que naquela época de fechamento dos mercados, a crise se prolongou por uma década levando os países à Grande Depressão e, posteriormente, à Segunda Guerra Mundial, ao fascismo e "uma série de coisas negativas para a humanidade". "Agora existe a consciência de que não queremos cometer os mesmos erros de nossos antecessores."
"O comunicado é positivo. Muita gente achava que isso seria difícil em relação à Doha", disse Amorim. Segundo ele, agora cabe ao diretor geral da OMC, Pascal Lamy, convocar uma reunião ministerial para que seja finalmente fechada Doha.
"Há um chamado dos presidentes. Chegamos muito perto em julho, sem a pressão específica. Hoje há uma pressão muito forte não somente dos líderes, mas espero também que seja da opinião pública internacional. A eficácia dessa exortação é como uma bicicleta. Ou você avança ou você cai", afirmou ele otimista uma vez que acredita que nenhum país vai querer, agora, barrar o acordo na OMC e ficar com a responsabilidade do fracasso de Doha.
Na opinião do chanceler brasileiro, houve uma preocupação durante a cúpula do G20 em minimizar o impacto da crise financeira sobre a economia real. "E a conclusão de Doha é talvez o melhor sinal que se pode dar de que os países estão comprometidos em tomar medidas no sentido contra cíclico, de estimular as economias", disse.
Reuniões paralelas
Enquanto Lula e Mantega participavam da reunião de cúpula sentados ao lado do presidente dos EUA, George W. Bush e do secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, Amorim reuniu-se na manhã de sábado com a representante de Comércio americana, Susan Schwab. Ele disse que ambos ficaram muito satisfeitos com o resultado do texto.
Amorim confessou que esperava que a ex-secretária de Estado, Madeleine Albright, que esteve presente à cúpula do G20 para coletar informações para o presidente eleito Barack Obama, estivesse presente na reunião com Susan. Ao saber que a ex-braço direito de Bill Clinton não estava presente, Amorim disse que procurou demonstrar interesse imediato em conversar com a ex-colega na ONU. Conseguiu agendar um breve encontro no mesmo dia, adiando em algumas horas o seu retorno ao Brasil. Com isso, ele embarcou em uma aeronave de apoio da FAB vindo junto com a comitiva brasileira ao invés de retornar com Lula e Mantega no avião presidencial. O avião do presidente decolou para São Paulo pouco antes da reunião de Amorim com Madeleine e logo após o último encontro bilateral na capital norte-americana, com o presidente da China, Hu Jintao. Na véspera Lula teve quatro encontros bilaterais, entre eles, com o primeiro ministro britânico Gordon Brown, e com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner.
Ao sair da reunião com Madeleine, Amorim disse que procurou retomar contato com a antiga colega de que o Brasil teve boas relações profissionais e amigáveis com o presidente Bush e espera melhorar o relacionamento com a nova gestão do democrata Obama. "Tivemos uma relação muito próxima, na OMC e em muitas outras coisas. Agora, eu acho que há também um capital de afinidade na visão do partido democrata que permite que essa cooperação que já é boa se desenvolva mais ainda."
Na opinião do ministro, Bush, ao convocar essa reunião, "deu um grande passo porque essa reunião vai ser lembrada ao longo da história como o início de uma nova era". "Claro que a preocupação principal é resolver a crise. Mas também é o inicio de uma nova configuração do poder na ordem mundial", afirmou.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14)(R.H.)