Título: Brasil avança na redução da desigualdade
Autor: Aliski,Ayr
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/11/2008, Nacional, p. A4

Brasília, 20 de Novembro de 2008 - A população brasileira é a que tem o pior desempenho em leitura e em matemática e a que convive com o maior índice de mortes violentas entre os integrantes do Bric (grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia e China), mas vive em um dos países que melhor conseguiram reduzir as desigualdades sociais nos últimos 30 anos. Essa avaliação é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que divulgou ontem estudo sobre Desenvolvimento e Experiências Nacionais, com dados baseados nos indicadores comparativos internacionais.

A boa notícia é que a atual crise econômica internacional cria um cenário de oportunidades para que o Brasil resgate dívidas com o passado e promova o desenvolvimento, indicou o diretor do Ipea no Centro Internacional de Pobreza, Milko Matijascic.

A pesquisa do IPEA traz dados da África do Sul, México, Argentina, Brasil, Índia, China, Rússia, Espanha, Alemanha, Finlândia e Estados Unidos, em um intervalo de tempo que vai de 1975 a 2004. Esses países foram escolhidos porque sobre eles há uma base de informações confiáveis e que permitem comparações.

A análise dos dados é o primeiro passo a ser feito com o objetivo de identificar em quais pontos o Brasil teve erros e acertos e apresentar propostas de mudanças. É meta também verificar o que ocorreu em outros países, para copiar experiências de êxito e evitar erros, explicou Matijascic.

O Ipea não vai preparar um grande "manual de instruções" com receitas prontas de sucesso, mas alimentar discussões sobre qual a melhor forma de desenvolvimento a ser perseguida. Segundo Matijascic, o estudo permite que se comparem os resultados dos diferentes modelos de desenvolvimento adotados ao redor do mundo.

"Temos que aprender com os campeões e com quem promoveu mais erros", disse Matijascic. Quanto ao Brasil, o analista do Ipea disse que um erro foi manter a política de juros altos e um acerto foi o de evitar uma abertura indiscriminada da economia.

Em 30 anos, o Brasil não foi líder em crescimento da renda. Em 1975, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita da China era de US$ 604, saltando cerca de 1.000% até 2004, quando atingiu a marca de US$ 6 mil. No Brasil, o PIB per capita era de US$ 5,5 mil em 1975 e cresceu cerca de 36% até 2004, atingindo US$ 7,5 mil. Em contrapartida, o Brasil melhorou a eqüidade social, aperfeiçoando seu coeficiente de Gini.

Esse indicador segue uma escala que vai de zero a um, sendo que quanto mais próximo do zero, melhor a distribuição de renda. No período entre 1990 e 1994, o coeficiente de Gini do Brasil era de 0,604, caindo para 0,564 entre 2000 e 2005. Isso representa uma melhoria de 11%. Na comparação entre os mesmos períodos, o coeficiente de Gini da Índia piorou 20% (saindo de 0,296 para 0,368), o da China variou negativamente 36% (de 0,300 para 0,469), enquanto o da Rússia teve um declínio de 40% (de 0,269 para 0,445).

Infelizmente, destacou Matijascic, o Brasil não soube garantir bons níveis de educação para a população, apresentando os piores indicadores entre os países em análise. Mais de 80% dos brasileiros têm dificuldades sérias de leitura e cerca de 90% da população têm desempenho sofrível em matemática. "Não conseguem calcular o troco sem a ajuda de uma calculadora", explicou o estudioso do Ipea. A pesquisa sobre o domínio de leitura e de matemática não contou com informações da China e da Índia, pois não há dados desses países que permitam estabelecer uma base de comparação. Oficialmente, o índice de analfabetismo no Brasil era de 11% em 2005, perdendo entre os países pesquisados apenas para a África do Sul, com 18%. Em 1975, no entanto, o analfabetismo era realidade para 22% da população.

Segundo Matijascic, é importante que o Brasil tenha e divulgue informações confiáveis sobre a educação de sua população. "O primeiro passo é reconhecer que temos um problema muito sério", disse. Ele destacou a importância da experiência da Coréia do Sul, que tinha fortes deficiências educacionais até os anos 70, depois investiu muito nessa área e hoje é referência em padrões de educação. Matijascic ressaltou que a educação é um importante diferencial de competitividade, mas não surte efeitos sozinha. "A educação é um fator extremamente importante, mas não impediu a Rússia, por exemplo, de ter uma retração econômica assustadora e muitos casos de violência", disse.

A pesquisa mostrou que o Brasil é tipicamente um país emergente pelo perfil das doenças que o atingem. Das principais causas de morte, a população brasileira sofre tanto com doenças infecciosas, típicas das regiões mais pobres da África, como com doenças do "Primeiro Mundo", como as que envolvem condições neuro-psiquiátricas. Ainda assim, o Brasil é campeão de mortes por violência, com 4,69% das causas indicadas no período entre 2002 e 2003. Nesse ranking, a Alemanha é o último da lista, pois no país germânico o índice de mortes por violência é de 0,07%. "No Brasil, um terço dos homens não atingirá 65 anos", comentou Matijascic. A mesma sentença vale para 20% das mulheres. Ou seja, segundo o Ipea o Brasil ainda tem como um grande desafio manter a sua população viva.

Entre os indicadores que ajudam a dimensionar o crescimento da economia, destaca-se o de consumo de energia elétrica. Em 1975, o Brasil tinha um consumo de 646 Kilowatts-hora (Kwh) per capita, saltando para 1995 Kwh em 2004. No mesmo tempo, o consumo da China saltou de 136 Kwh para 1585 Kwh. Ambos, entretanto, ainda distantes dos 13.351 Kwh dos Estados Unidos. Segundo Matijascic, o acelerado crescimento do consumo energético da China, assim como o aumento das desigualdades sociais nos demais países do Bric, são fatores que formam as oportunidades para o Brasil, que não sofre com tamanhos gargalos de infra-estrutura e tem uma público consumidor interno grande e em desenvolvimento. México e China, destaca Matijascic, aumentaram muito as exportações de manufaturados e de produtos de alta tecnologia em 30 anos, mas não agregaram conhecimento à base tecnológica nacional.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 4)(Ayr Aliski)