Título: Propostas de repatriamento de capitais recebem novas críticas
Autor: Seabra,Marcos
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/11/2008, Política, p. A7

São Paulo, 20 de Novembro de 2008 - A repatriação de capitais de cidadãos brasileiros no exterior voltou à pauta do Congresso e, novamente, recebeu críticas de especialistas em direito societário e tributário. O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Mozart Valadares Pires, disse que propostas do gênero são uma "oficialização da lavagem de dinheiro" . "Somos contra a proposta. Para nós é como se houvesse uma oficialização da lavagem de dinheiro, além de reforçar a idéia de que o crime e a sonegação compensam", criticou Pires.

A primeira proposta para "anistiar" e conceder benefícios fiscais para brasileiros que tenham recursos no exterior e queiram repatriá-lo surgiu pelas mãos do deputado Luciano Castro (PR-RO), em 2003. Entre outros pontos, o projeto estabelece a tributação, pelo Imposto de Renda, das operações de repatriamento daqueles recursos, à alíquota de 5%.

Castro, líder do PR na Câmara - legenda integrante da base de apoio do governo -, defendeu seu projeto dizendo que o dinheiro voltaria para o País a "custo zero". "A possibilidade de trazer para o País de R$ 20 a R$ 30 bilhões a custo zero é bastante interessante, além disso a Receita Federal vai saber os detentores desses recursos", justificou. O grande temor é de que não se consiga separar entre sonegadores, com origem do dinheiro comprovada, e lavadores de dinheiro fruto de crimes diversos. À época da apresentação do projeto, a AMB também se manifestou contra o projeto criticando a iniciativa do deputado.

Dois anos depois da proposta de Castro, o então deputado José Mentor (PT-SP) apresentou outra na mesma linha com o mesmo percentual de incidência de IR (5%), além de outras condições. "Uma realidade é incontestável, qual seja, a de que há um grande volume de recursos em instituições financeiras no exterior. Estimativas apuradas na CPI do Banestado - realizada no mesmo ano, 2005 - dão conta de que algo entre R$ 90 e R$ 150 bilhões foram remetidos ilegalmente ao exterior nos últimos anos. Esses recursos não trazem nenhum benefício para a economia brasileira e, apenas de um modo bastante reduzido, o trazem para seus detentores", justificou Mentor à época.

Na terça-feira (18) foi a vez do senador Delcídio Amaral (PT-MS). Ele apresentou à Mesa do Senado projeto de lei que, caso brasileiros optem pelo repatriamento de recursos depositados no exterior, poderão fazê-lo pagando 8% de Imposto de Renda. Uma série de outros benefícios são oferecidos na proposta, incluindo a formação de um fundo de investimentos em infra-estrutura com recursos repatriados, também com benefícios fiscais.

A especialista em direito societário e capital estrangeiro do escritório de advocacia Miguel Silva & Yamashita, Beatriz Yamashita, acredita que parte da proposta tanto de Delcídio Amaral como os outros dois projetos que tramitam na Câmara resolve os problemas de investidores que, apanhados pela crise econômica mundial estão registrando prejuízos fora do Brasil. "A carga tributária hoje no País desestimula aqueles que pretendem, de alguma forma, trazer o dinheiro de volta", avalia a advogada. "Mas os casos devem ser analisados um a um", acrescenta.

De maneira geral, a especialista em capital estrangeiro vê com restrições a iniciativa tanto do projeto em tramitação no Senado quanto os que estão na Câmara aguardando votação. "Embora esses capitais não sejam necessariamente fruto de lavagem de dinheiro, quando se cria um benefício para atender apenas a algumas pessoas pode significar uma penalidade para os que pagam seus impostos", avalia a advogada.

Na mesma linha de raciocínio, Yamashita acredita que os sonegadores podem ser estimulados pela proposta. "Cria-se a expectativa de que sonegar é um bom negócio, já que, a qualquer momento, poderá surgir uma anistia para aqueles que deixaram de pagar impostos", acrescenta a advogada.

De acordo com consultas informais feitas pela consultoria Arko Advice, de Brasília, o projeto de Delcídio deverá ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, cabendo a esta última decisão terminativa. Isto significa que, uma vez aprovada por ela, o projeto segue direto para exame da Câmara sem necessidade de passar pelo plenário do Senado. "De acordo com nossas expectativas, a tramitação da proposta pode demorar, em um cenário realista, em torno de um ano", avalia boletim elaborado pelos analistas da Arko Advice.

Coincidência ou não, o projeto de Luciano Castro, agora apensado - juntado - ao projeto de José Mentor, podem entrar na pauta de votações da Câmara a partir de hoje, depois de um acordo de lideranças partidárias fechado ontem.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 7)(Marcos Seabra)