Título: O desemprego no processo de globalização
Autor: Juan Somavía
Fonte: Gazeta Mercantil, 21/09/2004, Opinião, p. A-3

A globalização não está funcionando como deveria. Não está correspondendo à maior aspiração de homens e mulheres de todo o mundo: ter um trabalho decente com o qual possam construir um futuro melhor, responder às necessidades dos seus e sentir-se mais seguros. Trabalho decente é sinônimo de esperança, de certezas, de perspectivas.

Desemprego ou trabalho precário é sinônimo de frustração e de medo. Dos pesquisados pelo Latinobarômetro, 76% têm medo de perder o emprego durante o próximo ano. Por isso, é tão preocupante o déficit de trabalho decente no mundo de hoje. Mais de 1 bilhão de pessoas não têm emprego ou estão abaixo da linha da dignidade no exercício de suas tarefas diárias. Ganham menos do que deveriam, carecem de proteção ou se movem na sobrevivência cotidiana do trabalho informal.

O desemprego juvenil aumentou acentuadamente na última década. Embora os jovens sejam 25% da população em idade de trabalho (entre 15 e 65 anos), representam 47% dos desempregados no mundo de hoje.

E nessas cifras a condição da mulher no trabalho mostra discriminações ainda mais duras. América Latina e Caribe estão nas faixas em que essa realidade se expressa com maior força. Tal situação não é politicamente sustentável.

Que significa isso em termos de desenvolvimento humano e de segurança nas sociedades que estamos construindo? Como se desenvolvem as nossas democracias?

Significa que a geografia da instabilidade está configurando mapas que coincidem amplamente com a geografia do desemprego. Acrescente-se a isso, como o expressou um recente relatório da OIT, que apenas 8% vivem no mundo em condições de segurança para criar e crescer.

Basta escutar as pessoas, observar os debates em diversos lugares do mundo e registrar as reivindicações feitas aos líderes políticos de todos os continentes para ter certeza de que nossa tarefa é urgente.

É ante essa realidade que devemos assumir um desafio essencial: as mudanças são inevitáveis. É insensato continuar as mesmas políticas e esperar resultados diferentes.

As políticas de mudança devem emergir das condições locais. É ali que as pessoas moram, buscam, esperam e tentam encontrar um espaço para si. É ali que a satisfação pode adquirir forma, mas também onde, compreensivelmente, frustração e protestos continuarão a crescer.

Tem muita razão o relatório da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização quando determina a urgência em atuar ali, no espaço da circunvizinhança. Como foi dito na Cúpula das Américas, em Monterrey, no México, no início de 2004, "o que não fazemos nós, farão outros". É válido tanto para os países como para as comunidades.

E qual caminho tomará essa marcha?

Em primeiro lugar, estabelecerá um diálogo social efetivo e realista. É imprescindível que sentem em torno da mesa empregadores, trabalhadores e governos sob a lógica de dar espaço à imaginação política para construir países com mentalidade do século XXI e não com barreiras e confrontos do passado.

É aí onde já devem se instalar os novos instrumentos para o desenvolvimento dos recursos humanos próprios dos novos desafios. Será preciso promover políticas - nos setores público e privado - cujo eixo esteja centrado na aprendizagem permanente, na transferência de habilidades e competências e na educação e na formação de novos espaços de trabalho, especialmente nas pequenas e médias empresas.

Todos esses temas são essenciais na chamada nova economia do conhecimento, em que as novas tecnologias devem multiplicar nossos sistemas educacionais.

Mas, por mais que façamos o que devemos fazer em casa, uma globalização com regras do jogo injustas e resultados desequilibrados fecham-nos as portas quando as economias se abrem. É um modelo fundado na desigualdade de oportunidades para os mais fracos, sejam pessoas, famílias, empresas, comunidades ou países.

As pessoas sabem que o emprego é o principal meio para superar a pobreza.

De fato, esse é um dos três pilares do nosso trabalho, o qual se une com coerência a outros dois: o trabalho decente como instrumento do desenvolvimento e busca de uma globalização justa como fonte de estabilidade mundial. Essa perspectiva nas estratégias da OIT está cruzando as novas visões políticas da América Latina e do Caribe, tal como o ressaltaram todas as conferências de cúpula de presidentes e de chefes de Estado recentemente realizadas.

Esses três conceitos expressam de maneira simples as percepções, as necessidades e as crescentes pressões políticas que os povos deste continente e de todo o mundo exercem sobre seus dirigentes. Ao explicitar esses três aspectos, estamos nos conectando com a aspiração essencial de homens e mulheres, aqueles cujas vozes escutamos dizer: "Dê-me uma verdadeira oportunidade de ter um trabalho decente, e o resto eu farei."

kicker: Mais de 1 bilhão de pessoas não têm emprego ou estão abaixo da linha da dignidade