Título: Medo atômico
Autor: Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 13/03/2011, Mundo, p. 20/21

após terremoto, Japão tenta controlar acidente nuclear e evitar que tragédia se amplie

Os japoneses mal começaram a chorar seus mortos, e a terra voltou a tremer. Às 15h36 (3h36 de Brasília), novo abalo fez uma das estruturas da usina nuclear de Fukushima, a 240km de Tóquio, explodir, elevando o risco de um acidente nuclear sem precedentes na história do país. Até o fechamento desta edição, técnicos tinham dificuldade para resfriar um dos reatores. No fim da noite anterior, um novo terremoto, de magnitude 6,4, balançou o arquipélago. Por enquanto, o governo trabalha com a previsão de 1,7 mil mortos, sendo que 681 vítimas foram confirmadas. Mas esse número pode ultrapassar 10 mil: somente em Minamisanriku, no estado de Miyagi, 9,5 mil moradores estão desaparecidos.

¿Hoje (ontem), aproximadamente às 15h36, um grande tremor ocorreu, seguido por um som alto e por fumaça branca nas proximidades da estação nuclear 1. Dois empregados da usina e dois trabalhadores terceirizados que faziam a segurança da planta sofreram ferimentos e foram transportados ao hospital¿, informou a Tokyo Eletric Power Company (Tepco), em comunicado publicado em seu site. Pouco tempo depois, a empresa confirmou a morte de um dos feridos. ¿Sinceramente, rezamos pelo repouso de sua alma.¿ Os demais trabalhadores sofreram lesões leves.

As imagens exibidas pela rede de tevê Al Jazeera mostram que, em segundos, o telhado e as paredes da estrutura atingida na usina se desintegraram. Mas, de acordo com a companhia energética, o reator não foi danificado. ¿Nenhum impacto radioativo no ambiente externo foi confirmado, mas vamos continuar a monitorar detalhadamente a possibilidade de material radioativo ter sido descarregado¿, informou a Tepco. Em uma coletiva de imprensa, Yukio Edano, principal assessor e porta-voz do primeiro-ministro, assegurou que o contêiner que protege o reator não sofreu danos. Ele explicou que a explosão teve como possível causa uma reação química provocada pelo acúmulo de moléculas de hidrogênio e oxigênio.

Mesmo assim, o governo ampliou de 10km para 20km o raio de evacuação, determinando a retirada de 200 mil pessoas das proximidades da usina. As autoridades também começaram a se preparar para distribuir iodina para os moradores, uma substância que protege contra câncer de tireoide no caso de exposição à radioatividade.

O governo japonês informou à Agência Internacional de Energia Atômica que foram realizados 90 testes para verificar a exposição à radioatividade de pessoas que vivem próximas à usina, e três apresentaram sinais positivos, mas em um nível muito baixo. Em um comunicado, a Agência Japonesa de Segurança Nuclear e Industrial confirmou que, entre o material que vazou para o ambiente, constavam césio-137 e iodina-131.

Risco moderado A intensidade do acidente nuclear foi classificado em 4 ¿ em Chernobyl (Ucrânia), o acidente de 1986 ganhou classificação 7, a mais alta possível. As comparações com a pior tragédia nuclear da história são inevitáveis, mas especialistas não acreditam que as dimensões serão as mesmas. O reator central da usina da ex-União Soviética explodiu durante um teste de segurança e liberou 400 vezes mais radiação que a bomba atômica de Hiroshima, lançada no Japão no fim da Segunda Guerra. Durante 10 dias, substâncias radioativas circularam na atmosfera.

Especialista em energia limpa, o professor da Universidade de Maryland Nathan E. Hultman disse ao Correio que o nível 4 significa um acidente com consequências locais. ¿Ninguém nunca deseja um acidente nuclear, seja ele qualquer¿, afirma. ¿Consequência local quer dizer que alguma radiação é liberada e pode ter um efeito no local onde ocorreu. Claramente, é melhor ter um nível 4 do que acima, o que implicaria grandes quantidades de radiação dispersas por um raio ainda maior¿, explica.

Para a professora da Universidade Federal de Sergipe, Ana Figueiredo Maia, especializada em reatores nucleares, é ¿muito improvável¿ que Chernobyl se repita. ¿A estrutura na Ucrânia não era apropriada e não havia políticas de segurança. No momento, não vejo nenhuma razão para comparar o acidente ao que ocorre agora no Japão¿, afirma.

O engenheiro Robert Zubrin, Ph.D. em Engenharia Nuclear pela Universidade de Washington e um dos mais proeminentes cientistas dos EUA, é otimista.¿O reator foi fechado, então nenhuma energia nuclear está sendo gerada. Dessa forma, não há possibilidade de haver uma explosão nuclear, mesmo se outro tsunami destruir, futuramente, o reator¿, diz à reportagem. ¿Ainda há um pouco de calor sendo emitido, mas é cerca de 1% do aquecimento produzido pelo reator quando está ligado. A energia vai diminuir até cessar¿, completa.

Segundo Zubrin, para conter o aquecimento, é necessário utilizar água e ácido bórico, o que as autoridades japonesas já estão fazendo. ¿Se essas medidas continuarem, não será lançada uma quantidade significativa de material radioativo¿, diz. ¿O principal perigo para as pessoas agora vem do pânico que pode afetar os moradores da área. É essencial que não se espalhem rumores ou exageros que possam levar ao desespero¿, acredita.

Uso recomendado Medicamentos de iodeto de potássio, conhecidos como pílula antirradiação, são considerados eficazes para combater câncer de tireoide causado por iodo radioativo espalhados por vazamentos nucleares. A Agência Internacional de Energia Atômica recomenda o uso como prática amplamente aceita. Após os atentados de 11 de setembro, o governo americano discute a distribuição para proteger a população contra ataques terroristas, mas resiste à ideia por medo de comprometer a confiança da população na segurança das plantas nucleares.