Título: A revitalização dos transportes
Autor: João Flávio Pedrosa
Fonte: Gazeta Mercantil, 21/09/2004, Opinião, p. A-3
É preciso reconstruir setores estratégicos como a aviação e a navegação. A operação Retorno Galeão, realizada pelos governos federal e estadual com o objetivo de revitalizar o aeroporto internacional do Rio de Janeiro, evidencia uma ainda tímida mas promissora disposição do poder público de promover a recuperação do sistema brasileiro de transportes. Duas décadas de desregulamentação e abertura indiscriminada de importantes segmentos de infra-estrutura, conjugadas à falta de planejamento integrado, foram o bastante para quase desmantelar setores estratégicos da economia do País, como a aviação e a navegação. É preciso, agora, reconstruí-los.
A aviação comercial está em crise, e é inútil atribuir suas causas a problemas administrativos de empresas específicas. Trata-se de um fenômeno sistêmico, em certos aspectos semelhante ao ocorrido com a navegação mercante brasileira há duas décadas, sobretudo nos aspectos da perda de tripulações qualificadas e da desmobilização de frotas.
No início dos anos 80, para pôr fim ao chamado "escândalo da Sunamam", o governo federal adotou a clássica e contraproducente atitude de "jogar fora o bebê junto com a água do banho". No lugar da política equivocada de então, nenhuma outra foi colocada. Como resultado, a bandeira brasileira de navegação, que chegou a transportar 40% das cargas brasileiras de comércio exterior, hoje não embarca mais do que 2% e despende anualmente quase US$ 2 bilhões somente com o afretamento de navios estrangeiros.
No caso da aviação, é fundamental criar políticas voltadas para o desenvolvimento do turismo internacional e doméstico, bem como reorganizar o fluxo de passageiros e fazê-lo convergir com canais de escoamento da carga aérea, de forma que se obtenha ganhos de escala e rentabilização dos serviços. Essa é a essência da estratégia da operação Retorno Galeão, que a Infraero já pensa em implantar em outros aeroportos do País.
No caso da navegação, um problema crucial é o financiamento do reaparelhamento da frota. O Fundo de Marinha Mercante arrecada algo em torno de US$ 500 milhões por ano, mas aplica um percentual irrisório desse montante. É fundamental para o Brasil voltar a ter uma política de desenvolvimento capaz de articular indústria naval e navegação.
Neste momento de preocupação generalizada dos setores produtivos e exportadores com os chamados "gargalos logísticos", o sistema brasileiro de transportes deve ganhar prioridade na agenda governamental. O governo federal já demonstrou sensibilidade para a importância de resgatar o velho e bom "planejamento estratégico", ao estabelecer diretrizes de política industrial para o País. Agora é preciso fazer o mesmo com o setor de transportes, criando paralelamente políticas setoriais para cada modalidade e uma política sistêmica, multimodal, capaz de dar segurança e competitividade ao comércio exterior. Para debater os rumos dessa política, o Rio de Janeiro será sede em abril do próximo ano da Expomar - um grande evento de integração entre a navegação, a aviação e o comércio exterior brasileiros.