Título: Crise põe o Brasil na mira da China
Autor: Cigana, Caio ; Arruda, Guilherme
Fonte: Gazeta Mercantil, 21/11/2008, Empresas, p. C1

21 de Novembro de 2008 - Com a zona do euro oficialmente em recessão e a economia norte-americana seguindo pelo mesmo caminho, o Brasil deverá ganhar ainda maior participação nas vendas chinesas acreditam as fabricantes de têxteis, eletroeletrônicos, móveis e calçados. Mesmo com o câmbio desvalorizado, o que encarece as importações, a queda na cotação das commodities e no preço da energia na China, assim como os estoques mais altos, podem pressionar os preços para baixo, favorecendo os embarques, disse Kevin Tang, diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China (CCIBC).

O executivo estima que as compras brasileiras no mercado chinês vão crescer até 20% no próximo ano e sobre uma base de alta já expressiva. De janeiro a outubro as compras brasileiras na China subiram 66,5%, para aproximadamente US$ 16 bilhões "O custo de produção na China deve cair", disse. "Vai haver uma grande mudança no eixo de consumo. Com a desaceleração na Europa e nos Estados Unidos a China vai buscar outros mercados", afirmou.

Entre os setores que podem ampliar os embarques para o Brasil o diretor da CCIBC citou eletroeletrônicos, vestuários, brinquedos e siderurgia.

O setor eletroeletrônico, que já perdeu a produção de DVDs e áudios de pequeno porte para os importados, não quer perder competitividade com produtos como televisores e áudio de grande porte. "Existe um risco muito grande. Precisamos fazer uma reavaliação e eleger prioridades", diz um executivo do setor eletroeletrônico que prefere não ser identificado. Segundo ele, países como os Estados Unidos, por exemplo, abriram mão da produção de televisores, rádios e microondas e focaram em componentes de alto valor agregado, deixando a produção para os asiáticos. Estratégia semelhante poderia ser utilizada no Brasil. "Precisamos definir o que vamos abrir para importação e o que vamos manter forte."

Calçados

A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) informou que já sente desde a metade do primeiro semestre o avanço das importações devido ao movimento asiático de buscar novos mercados para os seus produtos em função da desaceleração da economia e queda da demanda no hemisfério Norte.

De acordo com dados da entidade, de janeiro a setembro as importações somaram US$ 231,9 milhões, um crescimento de 52,6% sobre o mesmo período de 2007. Só a China foi responsável por US$ 167,5 milhões, 58,8% a mais em comparação com os nove meses do ano anterior. O preço médio do calçados chinês que entra no Brasil é de US$ 6,27, enquanto que o da Itália, principal exportador para o Brasil fora da Ásia, fica em US$ 126,58.

Segundo o diretor executivo da entidade, Heitor Klein, ainda não é possível detectar se os chineses estão praticando descontos ainda mais agressivos para compensar a apreciação do dólar, mas afirmou que os chineses podem ser mais agressivos para fechar um negócio", disse Klein.

A China exporta para o Brasil principalmente calçados de preços mais baixos, como os com cabedal de tecido e solado de borracha, e sintéticos mais simples. Mas também vendem tênis considerados de alta performance de marcas mundialmente conhecidas. Segundo o diretor, a Abicalçados vem seguidamente tentando sensibilizar o governo demonstrando o caráter lesivo de alguns negócios como calçados que entram no País com preços muito inferiores aos praticados em outros mercados

Móveis

Para José Luiz Diaz Fernandez, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Mobiliário (Abimóvel), o setor também deve sofrer maior concorrência chinesa. As recentes medidas adotadas pelo governo da China que fixam benefícios para vários segmentos industriais exportadores devem incentivar as exportações. "Eles estão entrando muito forte no ramo corporativo, com cadeiras e móveis para escritórios. No residencial ainda não há nenhuma representatividade, mas é bom ficar atento ao mercado", disse o dirigente, que retornou recentemente de uma viagem ao país asiático.

A China é o segundo maior exportador mundial de móveis, com participação de 18,9% no comércio total, de acordo com o Relatório Setorial da Indústria de Móveis no Brasil, elaborado pelo Instituto de Estudos e Marketing Industrial (Iemi). Em 2007, o país asiático movimentou US$ 17,5 bilhões de um total de US$ 90 bilhões, sendo que R$ 14,8 bilhões, ou 88% das exportações chinesas, tem como destino os Estados Unidos.

Têxteis

Para Ronald Masijah, presidente do Sindicato da Indústria de Vestuário do Brasil (Sindivesturário), vai ser difícil enfrentar a entrada de produtos da China. "Com os mercados europeu e americano deixando de comprar, eles vão desovar os estoques em outros países, e o Brasil é um cliente em potencial", disse Marsijah.

Já para o presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem de Blumenau e Região (Sintex), Ulrich Kuhn, uma maior agressividade de preços por parte dos chineses não deve afetar o setor no Brasil, mas o executivo se preocupa com a entrada ilegal de produtos. "Com preços menores, esta operação se torna mais interessante", disse. Kuhn afirmou que a indústria tem um acompanhamento referencial monitorado pela Receita Federal para evitar o subfaturamento. Mesmo assim, em 2007, o setor estima que do total de têxteis exportados da China para o mercado brasileiro, 60% entrou legalmente.

O diretor de Comércio Exterior e de Relações com o Mercado da Teka, de Blumenau (SC), Marcelo Stewers, acredita que a China vai fazer de tudo para continuar exportando, mas não crê em ampliação muito agressiva em virtude do câmbio. Stewers disse que a Teka quer aproveitar a alta do dólar para incrementar as exportações. Hoje exporta 15% da produção, percentual que já foi de 35%. A empresa tem capacidade instalada para um aumento gradativo da produção, já que a taxa de utilização atual é de 70%.(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 1)(Wilson Gotardello Filho, Caio Cigana, Guilherme Arruda e Juliana Wilke)