Título: O sindicalista preferido do presidente Lula
Autor: D¿Angelo,Marcello
Fonte: Gazeta Mercantil, 21/11/2008, Transporte, p. C4

21 de Novembro de 2008 - O ex-sindicalista mais famoso do Brasil o considera o melhor exemplo do sindicalismo brasileiro. José Lopez Feijóo, 59 anos, ex-comandante do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), gostou do elogio do companheiro e presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas não se considera o melhor dirigente sindical de 2008. "Eu não sei porque ele acha isso, pois eu não me acho o mais qualificado", afirmou em entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil.

Formado no sindicalismo durante um período econômico difícil, que sofreu com crises sucessivas por mais de 30 anos, Feijóo buscou novos caminhos nos processos produtivos, sem medo da introdução de novas tecnologias e diminuição de mão-de-obra. "Os trabalhadores perderam o emprego porque o País ficou 30 anos sem crescer. Ou nós participávamos da reestruturação ou ela seria feita sem nós com as piores conseqüências", afirmou, numa postura que prefere a evolução ao confronto; novos postos de trabalho à migração ou extinção de empregos.

Feijóo dirigia o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC quando a Ford demitiu 2,8 mil pessoas e ameaçou deixar o Brasil no início do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Nessa época o mercado de carros despencou em razão da crise asiática. Antes, em 1986, já estivera entre 27 líderes sindicais afastados da Ford, num episódio que envolveu até força policial. No início deste ano, porém, Feijóo chorou no lançamento do novo Ka, investimento que ajudou a garantir emprego na Ford de São Bernardo que esteve perto de fechar as portas.

Nascido na Espanha, Feijóo chegou criança ao Brasil. Morador na Zona Leste de São Paulo, filho de família de metalúrgicos, foi engraxate, jornaleiro e vendedor de enciclopédia antes de entrar na Ford, em 1973, como conferente. O pai, tio, primos e irmãos passaram ou ainda estão na indústria automobilística. Para Feijóo, a pessoa que indica um parente para a indústria acaba tendo a responsabilidade de fazer o indicado a se dedicar ao trabalho, uma relação muito diferente do velho nepotismo enraizado na política brasileira.

Feijóo considera que seu grupo pratica um sindicalismo eficiente e de resultados. Por isso, pode abrir mão do imposto sindical. Ele afirmou que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, nos últimos dois anos, devolveu todo o imposto compulsório. Atualmente, sobrevive de mensalidades que os trabalhadores associados votam em assembléia. É este modelo que a CUT tentará ampliar por meio de projeto de lei a ser enviado ao Congresso para tentar acabar com o sindicalismo de fachada que vigora em vários setores.

Gazeta Mercantil - Como o recebeu o elogio público do presidente Lula, que o considera o sindicalista do ano?

Eu não sei porque ele acha isso, pois eu não me acho o mais preparado, o mais qualificado para isso. De um ano para cá, eu tenho me dado o direito de não ler algumas publicações - não é o caso da Gazeta Mercantil. Alguns jornais eu parei de ler, porque eles não têm nenhuma isenção.

Gazeta Mercantil - Quando passou por sua cabeça que acabaria sendo um presidente sindical?

Eu não tinha idéia. Entrei na Ford em 1973 como conferente. Já fui engraxate, jornaleiro e vendedor de enciclopédia.

Gazeta Mercantil - Ainda tem essas enciclopédias?

Não, eu só vendia.

Gazeta Mercantil - Como foi seu engajamento no movimento sindical?

Nas greves de 1978 eu estava fazendo greve. Não era um militante sindical. Eu conheci o Lula quando ele entrou na Ford para fazer uma assembléia com os trabalhadores. Em 1981, nós conquistamos na Ford a comissão de fábrica. Eu fui eleito como secretário para a comissão de fábrica em 1982. Em 1986, a Ford afastou 27 líderes sindicais e a polícia acabou entrando no assunto. Em 1988, a Ford me demitiu. Em 1992, me readmitiu.

Gazeta Mercantil - Na mesma função?

Na mesma função. No período de 1988 a 1990 eu participei de uma ONG, a TIE, que significa Transnational Information Exchange, que existe até hoje, e eu ordenava essa organização no Brasil. O que nós fazíamos? Troca de informações entre os trabalhadores, e realizávamos seminários para troca de experiência, informação e solidariedade. Então, em 1990, eu retomei minha posição de militante sindical e virei secretário estadual da CUT em São Paulo. Dez anos depois fui eleito o presidente da CUT, e fui presidente por 3 mandatos, até o ano de 2000. Em 1999, ainda presidente da CUT, fui eleito secretário-geral do meu sindicato do ABC, depois vice-presidente, e presidente. Tive um segundo mandato, e agora estou na executiva da CUT.

Gazeta Mercantil - Ainda há na Ford a função que você fazia?

Sim, existe, é a área de logística.

Gazeta Mercantil - Por que você não quis continuar no sindicato?

Porque nós temos tradição de promover renovação. Aliás nós construímos uma organização que está sempre evoluindo na renovação. Esta organização começa nos locais de trabalho, com a eleição dos comitês sindicais das empresas. Nosso estatuto prevê isso em primeiro lugar. Atualmente, são 86 comitês.

Gazeta Mercantil - Como operam esses comitês?

O comitê é proporcional ao número de sócios de cada empresa. Ele representa os trabalhadores em questões oriundas do local de trabalho. O comitê tenta resolver, por exemplo, uma promoção que não foi dada, uma condição inadequada de trabalho, uma injustiça cometida. Nós elegemos os comitês sindicais, e a totalidade deles formam a direção plena do sindicato. Da direção plena saem os eleitos ao conselho e à executiva do sindicato.

Gazeta Mercantil - Com isso o sindicalismo melhora o nível de seus quadros?

Sim. No meu caso, por exemplo, antes de ser presidente do sindicato, tive que ser eleito no comitê da Ford. Criamos quadros. Se não houver um processo de renovação, teremos problemas. Essa renovação é para que o sujeito passe por vários cargos, e quando chegar na executiva, seja um bom sindicalista. Se o sujeito não é bom para o sindicato, no próximo mandato, não se elege. Isso abre a oportunidade para termos um quadro de representantes sindicais de qualidade.

Gazeta Mercantil - Vocês ainda cobram o imposto sindical?

Nós devolvemos o imposto sindical. Nos últimos dois anos, devolvemos todo o imposto cobrado compulsoriamente. Nós defendemos a cobrança da taxa negocial, que tem que ser aprovada em assembléia.

Gazeta Mercantil - O trabalhador só paga se estiver satisfeito com o serviço oferecido pelo sindicato?

E essa é a diferença entre a taxa negocial e o imposto sindical. A taxa negocial é voluntária, o trabalhador aprova se ele quiser. E se ele quiser que seja zero, é zero, o sindicato não recebe nada.

Gazeta Mercantil - E como vocês se mantêm?

Através de mensalidades.

Gazeta Mercantil - Quantos contribuintes são associados?

50% da base é de associados. Quando incluímos os aposentados, temos 77 mil associados. 50% dos ativos contribuem.

Gazeta Mercantil - São quantas pessoas?

São quase 50 mil pessoas. Temos cerca de 2 mil empresas na base, mas muitas são pequenas, quase familiares, onde é baixa a quantidade de sócios. Quanto maior a empresa, maior é a quantidade de sócio. Nas montadoras, por exemplo, até 85% dos funcionários são associados. Nas grandes autopeças, há no mínimo 50% de associados. Nós vivemos da mensalidade sindical sócio-voluntária.

Gazeta Mercantil - Você estava na fábrica da Volkswagen no dia em que a empresa comemorou a produção de 15 milhões de veículos. Na ocasião, o presidente Lula afirmou que ou o sindicalista entendia a nova realidade ou acabaria falando na porta de fábrica para alguns poucos vendedores de pirulitos.

O nosso sindicato do ABC é de vanguarda. Primeiro porque tem propostas modernas sobre organização sindical. Segundo, essas propostas de organização sindical têm capacidade de produzir quadros inteligentes. Terceiro, estamos num setor da economia importante. E nós sempre compreendemos que o sindicato não é voltado para dentro da fábrica, pois não é só dentro do local de trabalho que se discute coisas como bem-estar. Temos que discutir cidadania com o trabalhador, ver se ele está bem alimentado, se tem dinheiro para comprar a cesta básica adequada para alimentar a família. Se você discutir cidadania, o grau da sua preocupação ganha horizonte. Gazeta Mercantil - Houve uma tentativa de compreender as rápidas transformações dos meios produtivos?

Fui um dos primeiros a debater na categoria impactos da tecnologia no local de trabalho. O que significava a introdução da eletrônica, da robótica, das linhas terceirizadas, quais os impactos que isso tinha nos ritmos de trabalho, na quantidade de mão-de-obra, novas doenças, novas formas de gestão da produção. Então, ao fazer esse debate, nós rapidamente compreendemos - ou discutíamos a estruturação produtiva, ou ela seria feita sem nós com as piores conseqüências. Ou discutíamos novos investimento ou a fábrica iria embora daqui. Quando você vai para a Alemanha negociar com a Volkswagen, no meio de uma crise de cinco anos de instabilidade de emprego, ganha espaço para discutir novos investimentos. Na Ford, depois de renegociar as demissões, ganhamos espaço para discutir novos produtos.

Gazeta Mercantil - No lançamento do novo Ka, no início deste ano, você lembra o teor do seu discurso?

Sim, lembro. `Nós estamos aqui lançando esse carro, mas quem está vendo isso, não sabe que nós amarguramos 2,8 mil demissões. Até fizemos cabana na fábrica durante o Natal.

Gazeta Mercantil - Os trabalhadores têm noção do que está acontecendo, mas a sociedade em geral não tem. Como você avalia isso?

Quem construiu ou buscou construir a idéia de que os trabalhadores perderam o emprego por causa da greve, plantou uma mentira! Os trabalhadores perderam o emprego por que o país ficou 30 anos sem crescer. E também amargou, ao mesmo tempo que a economia não crescia, um processo de regularização produtiva, com a introdução de novas tecnologias, com diminuição de mão-de-obra. Como exemplo, sou de uma família de metalúrgicos. Eu entrei na Ford num tempo que um trabalhador indicava outro trabalhador. Eu fui indicado por um primo, que era do setor de manutenção. Trabalhavam lá também meu tio e outro primo. Meu irmão, que fez Senai, entrou na Ford, e ficou lá até se aposentar. Meu outro irmão mais novo, eletricista de manutenção, está lá até hoje, foi indicado pelo meu tio, e já tem o curso de mecatrônica. Meu pai se aposentou na Ford Tratores.

Gazeta Mercantil - E você tem filhos trabalhando lá?

Não. Mas essa história de indicação está voltando a acontecer nas montadoras. Hoje, elas têm um número grande de indicações, onde cada trabalhador tem direito de indicar um. São cerca de 4.000 indicações, porém, a montadora tem um processo fortíssimo de seleção.

Gazeta Mercantil - Mas isso não é um nepotismo?

O nepotismo é diferente. O nepotismo é quando eu tenho o poder de contratar, e eu contrato parentes, ao invés de contratar uma pessoa mais qualificada para determinado emprego. Mas um processo em que você pode indicar um parente e quem está contratando é um terceiro, isso é outra coisa.

Gazeta Mercantil - Quais foram seus grandes desafios ao longo da carreira?

Administrei várias mudanças na indústria. Na Volkswagen, quando substitui o Luiz Marinho no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, continuei o processo para modernização e investimentos em novos produtos. Na Ford, teve o episódio das demissões. Conseguimos reintegrar 1.100 trabalhadores. Foi negociado um acordo de cinco anos de estabilidade., além de um processo de novos produtos. A matriz nos Estados Unidos deu as bases, mas o acordo foi feito aqui. Conseguimos o novo Ka e investimentos em caminhões.

Gazeta Mercantil - A devolução do ICMS pelo governo de São Paulo ajudou a manter e a trazer novas fábricas para o Estado, depois da fuga nos anos 90?

Vamos ser honestos. O que favoreceu realmente foi o crescimento econômico. O governo de São Paulo devolveu o que ele tinha que devolver, era obrigação. O governo devolveu um dinheiro que já era das empresas (risos).

Gazeta Mercantil - O senhor também á favor da revisão da Lei de greve:

Eu ressalto duas coisa que valem a pena abordar. A primeira é o setor público, onde a lei de greve adequada deve ser aprovada, mas também achamos que existem coisas no setor privado que não são legais. Hoje, o juiz não pode decretar mais greve ilegal. Ele decreta abusiva. É a mesma coisa. Hoje, você tem no setor privado uma má utilização de um instrumento legal que se chama interdito proibitório. Isso está sendo utilizado para impedir as manifestações dos trabalhadores.

Gazeta Mercantil - Seria uma contraposição entre a Justiça Civel e a do Trabalho?

E mais, o interdito proibitório é uma norma que não pode ser superior à uma Lei constitucional. Então você não pode ter um instrumento que proíba um direito previsto na Constituição Nacional.

Gazeta Mercantil - Vocês são a favor do voto distrital?

Sou a favor do voto misto

Gazeta Mercantil - Como o senhor vê as atuais turbulências econômicas?

O Brasil hoje pode financiar o crédito das exportações. Pega R$ 30 bilhões nas reservas e financia as exportações. Tem R$ 200 bilhões de reservas, pega 10% e financia. O crescimento do Brasil, em 2009, vai ser 5%, 4% ou 3%, mas sobre uma base alta, de 5.5%. Algum problema vai ter, mas estou muito mais tranqüilo. Há anos, nas crises da Ásia e da Rússia, o estresse foi pior.

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 5)(Marcello D¿Angelo, Wagner Oliveira e Ariverson Feltrin)