Título: Baixa poupança interna dificulta expansão
Autor: Vizia,Bruno De
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/11/2008, Nacional, p. A6

24 de Novembro de 2008 - Os níveis baixos de poupança interna brasileira limitam a capacidade do País de manter taxas elevadas de investimento e criar um ambiente favorável ao crescimento econômico sustentável. Em um cenário de restrição ao acesso a capital externo, responsável por grande parte do fluxo de recursos que alimentou a expansão registrada nos últimos anos, esta fragilidade fica mais evidente, e aponta para a necessidade de ajustes na estrutura de gastos do governo como forma de regenerar sua condição de suportar o ritmo dos investimentos.

A poupança doméstica do País está em torno de 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Um patamar razoável se comparado às taxas recentes que variaram dos 15% de 1998 a 19,46% em 2007. No entanto, este nível de poupança é considerado baixo por especialistas quando comparado a países como a China, cujo nível de poupança supera 40% de seu PIB, e a sua taxa de investimentos que, no ano passado, totalizou 43,9% do PIB.

Países com poupança interna elevada têm mais facilidade para financiar investimento no setor produtivo, pois pagam juros de longo prazo menores do que os cobrados em financiamentos externos.

De 2007 para 2008, a expectativa é que a taxa de investimentos do País passe de 17,6% para 19,3% do PIB, segundo projeções da Tendências Consultoria Integrada. Para o próximo ano, ela deve se manter em 19,4% e, em 2010, cair para 18,6%, patamar elevado em relação ao histórico do Brasil, mas insuficiente para garantir um crescimento mais robusto e sustentável. "De qualquer maneira, o País já consegue buscar financiamento externo em 2010. Mas não dá para crescer os 5,4% com essa taxa de investimento", diz o economista da consultoria, André Sacconato.

Apesar de projetar saldo comercial e ingresso de Investimento Estrangeiro Direto (IED) menores em 2009, o economista não prevê grandes pressões por financiamento no curto prazo. Sacconato diz ainda que o dólar valorizado em relação ao real pode ajudar os exportadores, melhorando a situação das contas externas - para 2008, a projeção do mercado é de um déficit em conta corrente de US$ 30 bilhões. "Mas isso ainda esconde outro problema. O Brasil não é um país com uma poupança interna muito alta", avalia o economista.

Reduzir o superávit

Esta característica impede o País de adotar medidas semelhantes ao pacote de US$ 586 bilhões anunciado recentemente pela China para o próximo biênio. A manutenção dos investimentos em infra-estrutura, um dos pilares de qualquer política anticíclica, fica comprometida no Brasil pela falta destes recursos. A alternativa, segundo Julio Gomes de Almeida, professor de economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) "é reduzir o superávit primário ou aumentar o déficit global".

O adequado a médio e longo prazos, para Almeida, seria aumentar a poupança do setor público e investir mais. "Esse investimento cria incentivo para o mercado de capitais, que por sua vez estimula mais o investimento privado, e uma coisa vai puxando a outra", afirma o economista. Ele avalia que no "sufoco internacional atual", com redução de consumo e investimentos, o governo tem que assumir o papel que o setor privado deixou de fazer. Mas Almeida ressalta que no curto prazo "não tem como mexer muito com poupança ou consumo, cuja variação depende de diversos fatores", e lembra que não há tradição de poupar no Brasil, nem no âmbito individual, nem no âmbito do Estado. "O País não trabalhou bem sua poupança de longo prazo, pois nós tivemos um desenvolvimento do mercado de capitais baseado em recursos do exterior, e não em recursos da poupança, e nisso erramos", destaca o professor da Unicamp.

O aumento de poupança interna é um processo lento e o Brasil não pode depender desses recursos para crescer nos próximos anos, acrescenta Sacconato. Em condições normais, afirma o economista, o ideal é encolher ao máximo possível a presença dos Estado na economia e abrir espaço para o setor privado. No momento de crise, no entanto, é recomendável que o governo eleve os investimentos. "Hoje o setor privado está temeroso, vai captar esses recursos e não investir. Isso acaba gerando ou um empoçamento dentro dos bancos, ou o setor privado acaba comprando títulos públicos", afirma.

Longo prazo

Por outro lado, o economista afirma que também é preciso pensar nos reflexos que as medidas adotadas agora terão em um período mais longo. "Jogar dinheiro no mercado por meio do aumento de salário do funcionalismo público é uma medida que vai prejudicar o crescimento do País a longo prazo", ressalta Sacconato, lembrando que o governo vem aumentando o custeio da máquina pública acima do crescimento do PIB.

Para Antônio Correa de Lacerda, economista da PUC de São Paulo, a falta de poupança não é um empecilho para o Brasil crescer e investir. "A poupança é relevante, mas não é um requisito", explica Lacerda. Ele lembra que o crescimento brasileiro é movido pelo mercado doméstico, e que o papel do governo é investir para não interromper o ciclo de crescimento. Neste momento, avalia o economista, o investimento público no País tem primeiro a missão de romper gargalos na infra-estrutura, e posteriormente criar boas condições para o investimento privado, com instrumentos como clareza regulatória, incentivos fiscais e financiamento.

Para Rodrigo Ventura, economista da Macroplan, construir uma poupança interna vai ser determinante para o crescimento sustentado do País, já que a externa será mais difícil de captar. Na sua avaliação, há dois caminhos: ou ampliar a poupança das famílias ou do governo. "A elevação da poupança das famílias implica na redução de consumo, o que não parece ser a estratégia do governo. A saída é aumentar a poupança do governo", conclui.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Bruno De Vizia e Ana Carolina Saito)