Título: Recuperação do crescimento depende de reformas estruturais
Autor: Saito,Ana Carolina
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/11/2008, Nacional, p. A6

São Paulo, 24 de Novembro de 2008 - A recuperação da economia brasileira a partir de 2010 divide a opinião de economistas. Para o próximo ano, a desaceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é dada como certa, para cerca de 3%, ante uma taxa superior a 5% em 2008. Além do grau de disseminação e da duração da crise financeira internacional, a volta de patamares mais elevados de expansão passa pela realização de reformas estruturais.

"A nossa convicção é de que o Brasil vai ser afetado no curto prazo e crescer menos em 2009 e 2010", afirma o economista da Macroplan, Rodrigo Ventura, que revisou a previsão de expansão do PIB no próximo ano, de 3,5% para uma taxa em torno de 2,5% a 3,0%. Na sua avaliação, no entanto, a médio prazo o Brasil pode se beneficiar do cenário. "Com o aumento da aversão a riscos, ele pode atrair investimentos em ativos reais, que são menos rentáveis mas mais seguros", diz, citando como exemplo áreas de transportes e saneamento.

Mas, segundo o economista, isso dependerá da resposta do País diante de algumas incertezas. A primeira, diz, é se o mercado interno brasileiro vai ser capaz de sustentar a economia em patamar elevado de crescimento. Outra dúvida é se os recursos do governo serão suficientes para suprir a escassez de crédito e como reagirá a rede de instituições financeira privadas. "Qual será a resposta do governo em relação ao déficit em conta corrente do balanço de pagamentos e aos gastos correntes cada vez maiores? As receitas com arrecadação vão ser menores, mas de onde virão os cortes, serão regulados com redução de investimentos do PAC?", questiona ainda Ventura.

A evolução do País a partir de 2010, avalia o economista da Macroplan, está condicionada, no âmbito doméstico, ao grau de enfrentamento do governo aos principais gargalos. "Nos último três anos, a economia brasileira foi puxada pela demanda interna. Se o Brasil vai entrar no vôo da galinha, vai depender muito do mercado interno e também de questões estruturais. Reforma tributária e previdenciária, investimentos em infra-estrutura, educação vão determinar a sustentabilidade do crescimento."

Ventura lembra ainda que 2010 será ano eleitoral. "Há uma incerteza política que será determinante para os rumos da economia brasileira", comenta.

Para o economista da Austin Rating, Nelson Carneiro, a recuperação do Brasil é possível, mas não é provável. Ele avalia que são justamente os momentos de crise que abrem oportunidades de fortalecimento, aumento de superávit primário e aprovação de reformas estruturais. "Isso é possível na teoria, mas na prática os sinais que vêm do governo dizem que não será feito. A reforma tributária travou, a política ainda está em discussão e só se dá aumento para funcionário público."

Para 2009, a projeção da Austin é de uma expansão de 3,5% do PIB, após crescimento de 5,5% neste ano. Em 2010, a agência de risco prevê uma taxa menor, de 3%, refletindo ainda os desdobramentos da crise. "Justamente porque a crise é grande e não tem nada que indique uma recuperação", afirma.

A Tendências Consultoria Integrada, por outro lado, espera recuperação em 2010, com uma taxa de crescimento de 3,9%. Para 2008 e 2009, as estimativas são de 5,4% e 3,2%, respectivamente. "Imaginamos que no final de 2009 começa a haver uma recuperação da economia mundial. É uma recuperação lenta e gradual, mas não esperamos que esse pânico da crise perdure por mais de um ano", comenta André Sacconato, economista da Tendências.

Sacconato avalia ainda que a combinação entre fundamentos macroeconômicos relativamente estáveis e potencial de crescimento pode favorecer o Brasil na disputa por investimentos internacionais. "Hoje, é difícil conseguir a junção desses dois fatores positivos", afirma o economista. Na zona do euro e no Japão, por exemplo, argumenta, as economias são estáveis, mas sem potencial de crescimento muito grande. Por outro lado, Índia e Rússia têm potencial de crescimento, no entanto, não apresentam o mesmo patamar de estabilidade da economia brasileira. "Quando voltar a liquidez internacional, o Brasil vai ser um dos primeiros países a se recuperar", acrescenta. Dúvidas no cenário mundial

Na análise da Macroplan, a partir das incertezas quanto ao período de duração dos impactos da crise associado ao seu grau de disseminação na economia real, é possível traçar quatro cenários. Segundo Ventura, uma das hipóteses é de um período longo de recessão, mas localizado nos países centrais e com desaceleração moderada dos emergentes. Outra hipótese é de uma crise mais curta e concentrada nos Estados Unidos, Europa e Japão, e impacto reduzido nos demais países. Os dois cenários possíveis são de recessão global prolongada ou passageira.

Em relação à duração da crise, o economista afirma que desde a década de 1940 os EUA passaram por dez recessões, que duraram em média dez meses. Mas no período entre 1973 e 1975, por exemplo, foram 16 meses de crise. A dúvida é qual vai ser a duração: longa, mais de um ano e meio, ou curta, dez meses.

"O comportamento das cotações das commodities vai ser altamente volátil. Com a redução da demanda, há uma pressão de queda nos preços, mas a aversão ao risco pode levar os agentes financeiros a investirem em commodities em 2009 e 2010", acrescenta Ventura. Outro fator que definirá o cenário será o comportamento dos emergentes. "O mundo é bem menos dependente dos EUA do que há dez anos. Hoje, Brasil, Índia, China e Rússia são economias com maior participação no mercado."

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Ana Carolina Saito)