Título: Brasil precisa cortar os juros ainda este ano
Autor: Hessel,Rosana
Fonte: Gazeta Mercantil, 24/11/2008, Internacional, p. A13

Washington, 24 de Novembro de 2008 - A reunião de cúpula do G20 no último dia 15 de novembro em Washington teve dois resultados importantes: a entrada dos países emergentes em um grupo de tomada de decisões sobre os rumos da economia mundial e o fato de o G20 ter tido a sua primeira reunião em nível de líderes, avaliou o economista John Williamson, pesquisador sênior do Peterson Institute for International Economics, um dos mais importantes grupos de altos estudos sobre economia global, de acordo com o jornal norte-americano Washington Post.

Em entrevista à Gazeta Mercantil em seu escritório na Massachusetts Avenue, na capital norte-americana, Williamson elogiou o fato de estarem presentes à reunião países como a Espanha, quarta maior economia do planeta, e a Holanda, que foram convidados pelo atual presidente da União Européia (UE), o presidente francês Nicolas Sarkozy. O convite foi considerado por ele outro fator positivo da reunião.

O economista criticou a presença no G20 de países sem expressão política e econômica como a Argentina. Na opinião do pesquisador, há outros países que deveriam estar no G20, como Egito, Irã e Paquistão.

O G20 foi criado em 1999, após a crise russa e a asiática, com a finalidade de discutir crise financeira somente em nível ministerial e de presidentes de bancos centrais. É integrado pela UE e mais 19 países - as nações que integram o G7 (grupo das nações mais industrializadas do globo: Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Japão, Itália e Canadá) e as principais economias emergentes: África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, China, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia.

Atualmente, o Brasil preside o bloco. No próximo ano, a presidência rotatória será do Reino Unido que depois será sucedido pela Coréia do Sul.

Como conhecedor da economia brasileira, o economista recomenda corte na taxa de juros ainda neste ano como uma das medidas que o governo brasileiro poderá tomar para manter o aquecimento do mercado interno. Membro do Peterson Institute desde 1981, Williamson lecionou economia em importantes universidades como as americanas Massachusetts Institute of Technology (MIT) e Princeton University e a britânica University of York. No Brasil, foi professor de economia da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro, entre 1978 e 1981. Também trabalhou conselheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), entre 1972 e 1973, e consultor econômico do Tesouro britânico (1968-1970).

Ele tem dúvidas quanto à manutenção de um compromisso fechado durante o governo de George W. Bush, pelo seu sucessor Barack Obama. Williamson não acha possível um prolongamento dos compromissos uma vez que Sarkozy também não estará mais na presidência da União Européia. Agora, uma coisa ele aposta como certa: a senadora Hillary Clinton como secretária de Estado de Obama.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Gazeta Mercantil - Gostaria de saber sua opinião sobre os resultados da reunião do G20 e, principalmente, sobre a questão da participação dos países emergentes. Há alguns comentários céticos sobre o resultado da reunião, de que o prazo dado para a próxima cúpula (até o final de abril de 2009) é muito longo.

Eu acho que a reunião foi um grande avanço uma vez que não foram simplesmente os países industrializados que participaram da reunião. O ponto crítico da reunião foi a falta da Espanha no G20 e a presença da Argentina, mas mesmo assim é positivo. Ainda considero a cúpula mais realista do que as últimas reuniões do G7 e do G8 (mais a Rússia).

Gazeta Mercantil - Porque a crítica com relação à presença da Argentina no G20?

Porque é um país sem muita influência no mundo hoje em dia. Antigamente foi o poder principal na América Latina durante muitos anos, mas hoje em dia não é mais. Houve três poderes na América Latina. Agora apenas dois países são mais importantes: o Brasil e o México. A Argentina seria o terceiro, mas atualmente não tem mais influência como os outros.

Gazeta Mercantil - Na sua opinião, o G20 refletiria o grupo perfeito para tomar decisões políticas e econômicas em nível global?

Nunca haverá um grupo perfeito. Sempre haverá o problema dos países que são excluídos, os países marginais. Hoje em dia são: Espanha, Holanda, Irã, Egito e Paquistão. São esses os países que a gente pensa que faltam para o G20. Mas mesmo assim, não se pode incluir todos eles.

Gazeta Mercantil - Uma das críticas apresentadas sobre o resultado do G20, como a data da próxima cúpula para uma definição das metas contra a crise, em abril, é considerada muito distante. O senhor concorda com isso?

É preciso tempo para estudar e buscar algumas maneiras de saída da crise. Eu acho não é um prazo tão grande. Seis meses, não é muito tempo para se chegar a decisões importantes.

Gazeta Mercantil - Membros do governo elogiaram o resultado do comunicado do G20 porque muitos itens da proposta brasileira estavam, de certa forma, inseridos no texto final. Especialmente propostas como ganho de importância do G20, revisão do mercado de derivativos. No entanto, a proposta sobre a ampliação da participação dos países emergentes no Fundo Monetário Internacional (FMI) não foi mencionada no comunicado. Houve referência apenas à ampliação da participação no Fundo de Estabilidade Financeira (FSF, sigla em inglês). Isso significa que vai ser difícil que Brasil e outros países emergentes ganhem mais voz no FMI?

Infelizmente, uma decisão de reforma do FMI foi tomada no ano passado. Eu acho que seria difícil ampliar já novamente. Os países emergentes têm que usar a força, na minha opinião. Uma troca de mais poder nas decisões contra mais dinheiro seria interessante para os países industrializados. Mas simplesmente pedir mais voz sem oferecer nada em troca, acho que eles vão se esquecer. Vão chegar a dizer que é muito importante, mas não vão mexer na estrutura do fundo.

Gazeta Mercantil - Os demais países deviam fazer como o Japão e colocar mais US$ 100 bilhões no FMI para mudar a participação na cota do Fundo?

Esses US$ 100 bilhões vão ficar lá pois o Japão não é um país emergente. A China, por exemplo, teria que fazer algo parecido em troca de alguma coisa, na minha opinião.

Gazeta Mercantil - Com a sua experiência, como o senhor vê esse cenário de crise com a recessão já instalada na Europa? Como ficam as outras regiões e o que elas podem fazer para escapar dessa crise? Estão no caminho certo?

Depende. O grande diferencial é que os países têm diferenças. Alguns países possuem habilidade para expansão fiscal, como a China (que anunciou recentemente um pacote de quase US$ 600 bilhões para investimentos internos). Essas medidas foram muito bem recebidas pelos mercados. Outros países não têm a mesma possibilidade, pois estão com um endividamento elevado, um gr ande déficit fiscal, e, então têm mais dificuldades para fazer o mesmo tipo de coisa.

Gazeta Mercantil - No caso da China, que é um grande credor dos títulos do governo americano, com o agravamento dessa crise, os Estados Unidos correm o risco de ter dificuldades em honrar essa dívida? As recentes demissões de bancos e empresas norte-americanas sinalizam para isso?

A América tem uma tradição de honrar o pagamento de seus títulos. Não é como a Argentina que teve default na dívida. Acho que não existe esse risco. Desde o século XIX não aconteceu esse tipo de coisa nos EUA. E acho que eles não irão fazer isso...

Gazeta Mercantil - ...porque aí seria o fim do capitalismo?

Do capitalismo não, mas certamente do dólar. Ele nunca mais seria uma moeda forte. E com o surgimento do risco americano, as agências de risco teriam de procurar outro padrão para definirem os riscos dos países.

Gazeta Mercantil - O senhor acredita nesse discurso de um novo Bretton Woods? Isso é realmente possível? A gente está em um momento histórico de se repensar o sistema econômico mundial?

Eu acho que tem muito sentido tentar fazer uma revisão neste momento de crise. Porque as grandes diferenças são sempre feitas nos momentos de crise. É muito difícil fazer uma revisão profunda sem nenhuma crise. Mas o problema é que não houve muito pensamento e muito pouco tempo de discussão. Antigamente só havia um tipo de revisão que se desejava e houve um período de mais de dois anos para preparação de Bretton Woods. E foram apenas duas semanas para se preparar se realizar o encontro do G20. Então é difícil fazer uma nova revisão do acordo de Bretton Woods.

Gazeta Mercantil - No caso da reunião de cúpula do G20, ela pode ser um marco para o inicio desse processo de revisão?

Houve duas coisas importantes para essa reunião. A primeira foi incluir os países emergentes nas decisões. Segundo ponto foi a primeira vez que o G20 se encontrou em nível de líderes.

Gazeta Mercantil - Com relação à proposta do G20, a sugestão de aplicação de políticas expansionistas dos governos para minimizar o impacto da crise financeira global e, no caso do Brasil, como o senhor conhece a economia brasileira, o senhor acha que os juros e os impostos deverão cair uma vez que já estão em um nível elevado ou isso implicaria em um aumento ainda maior da carga tributária?

Uma expansão fiscal implicaria em uma redução das taxas de impostos e um investimento maior dos governos em infra-estrutura. E isso é um dos problemas do Brasil pois tem realizado poucos investimentos em infra-estrutura. Então, provavelmente, parte de uma expansão fiscal seria para este propósito, mas parte também deve ser uma redução de impostos.

Gazeta Mercantil - E os juros?

No caso do Brasil deve ser também uma redução das taxas de juros, sem dúvida. Recentemente o banco central estava brigando contra a inflação, mas a inflação sumiu de repente. O problema é que houve uma desvalorização forte do real e do petróleo e de commodities primárias. Logo, não há mais problema com a inflação. Então o BC pode começar a reduzir a taxa de juros imediatamente. Ainda neste ano.

Gazeta Mercantil - E um encontro desse tipo, no final do governo Bush terá garantias de que as promessas sejam cumpridas?

O problema também foi que o presidente Nicolas Sarkozy (da França) estava como líder da Europa e quando Barack Obama se tornar presidente, ele já não estará mais na presidência da União Européia.

Gazeta Mercantil - O senhor acha que a gestão Obama poderá dar continuidade a esse processo de revisão do sistema financeiro? A presença da ex-secretária de Estado de Bill Clinton, Madeleine Albright, durante o encontro como representante de Obama é um sinal nessa direção?

Vamos ver. Seria interessante se isso acontecesse. Mas eu acho que será difícil que Obama e Sarkozy consigam, juntos, chegar a um acordo melhor de reforma do sistema financeiro, pois Sarkozy não estará mais no comando da UE.

Gazeta Mercantil - Neste momento de transição do governo norte-americano e de composição do gabinete do presidente Obama, o senhor acredita que a Hillary Clinton poderá ser a secretária de Estado de Obama como especulam os jornais americanos?

Vai ser muito difícil para Obama não fazer o convite depois de toda essa situação, na minha opinião. Seria muito difícil ele não chamar Hillary. Eu acho que está praticamente certo que ela será a secretária de Estado. Mas minha esposa ainda tem muita dúvida se ela aceitará o convite. Ela era entusiasmada pela Hillary.

Gazeta Mercantil - Mas ela não tinha mais chances do que Obama para vencer o republicano John McCain nas eleições presidenciais?

Qualquer um candidato democrata teria mais chances do que McCain. A eleição mais importante neste ano não foi a de presidente dos Estados Unidos. Mas foi para a nomeação do Partido Democrata, pois era certo de que o ciclo de governo republicano tinha acabado. Foi difícil para McCain defender o governo Bush. Mas ele não se ajudou.

Gazeta Mercantil - A nomeação da Sarah Palin como vice na chapa ajudou ainda mais para que ele perdesse as eleições?

Nós achamos ela uma brincadeira. Mas tinha muita gente no Partido Republicano que estava entusiasmado com ela. Eu acho muito estranho. Se ela voltar a se candidatar, vai perder por muito, muito mais (risos).

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 13)(Rosana Hessel)