Título: O modus operandi
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 16/03/2011, Política, p. 3

A estratégia econômica do governo no primeiro ano vai clareando. Entre as âncoras fiscal e monetária, ficou com a salarial

Os movimentos recentes da autoridade monetária confirmam que o topo da meta de inflação virou centro. O Banco Central está disposto a chancelar duradouramente uma inflação acima da meta oficial ¿quase um terço acima ¿ para não brecar a economia num grau que cause ainda maior prejuízo político ao governo Dilma Rousseff.

Brecar sim, mas nem tanto.

Escrevo ¿acima da meta¿ porque a expressão oficial é ¿meta¿, e não ¿banda¿. Na teoria, o BC não persegue uma faixa de inflação, persegue um ponto dentro de um intervalo.

A decisão de que ponto perseguir é política. Sempre foi e continua sendo agora.

A meta oficial de inflação é 4,5%. Foi abandonada este ano. Como já havia acontecido ano passado. A fé dos projetistas de mercado é que seja alcançada em 2012.

2011 não promete ser brilhante para Dilma. O alívio ¿ para ela ¿ é um BC mais dócil, capaz de conviver com expectativas maiores de inflação sem sacar a arma.

Essa é uma hipótese. A outra é que acelerar os juros agravaria o problema cambial, daí a benevolência do BC com os preços. Mas essa possibilidade não dá tanto ibope assim.

A não ser que a autoridade monetária tenha decidido adotar também metas cambiais, sem contar a ninguém.

A estratégia econômica do governo no primeiro ano vai clareando. As âncoras fiscal e monetária operam a meio vapor, talvez compensadas pela salarial. Dureza mesmo viu-se na votação do salário mínimo.

A votação do mínimo foi até agora o sinal mais claro das intenções do governo.

O governo tinha os recursos (ou a projeção de recursos) para não interromper a sequência de aumentos reais. Basta esperar pelos resultados da arrecadação ao longo do ano e se comprovará. Os números comprovarão. Até a inflação vai ajudar.

Mas preferiu atacar onde era mais fácil, onde o alvo estava mais desprotegido.

É difícil cortar no Orçamento. Os grupos de pressão têm mobilização permanente. E o governo não pode ignorar o Congresso para sempre.

E o poder da turma do juro alto é bem sabido.

Sem falar que o governo garantiu para ele neste 2011 uma bela margem de investimentos com a capitalização do BNDES, um filão.

Corta fundo nos restos a pagar e nos empenhos do orçamento oficial e capitaliza o banco.

São bilhões e bilhões de um orçamento paralelo, mais fácil de executar discricionariamente. Bancado pelo trabalhador e pelo contribuinte.

O trabalhador entra com o FGTS, cuja remuneração irrisória permite ao BNDES emprestar a juro real zero, ou quase.

O contribuinte entra com os impostos, alocados pelo Tesouro ao BNDES em troca de uma remuneração igualmente bem abaixo da Selic.

Um duplo descasamento, sustentado por nós.

Talvez esteja na hora de começar a pensar em mecanismos para devolver aos trabalhadores pelo menos parte da riqueza adicional obtida com esses financiamentos subsidiados.

Cruel O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, vai bem na comunicação.

A última boa tacada do ministro foi dizer, em entrevista ao Valor Econômico, que o governo precisa melhorar a gestão dos recursos existentes antes de pedir mais.

Ou seja, o ministro disse que a saúde precisa de mais dinheiro, mas não forçou a mão. Disse com jeito.

Por enquanto, a única ideia prática para mais recursos na saúde é a volta do imposto/contribuição sobre movimentação financeira, herdeira da finada CPMF.

Na entrevista o ministro levanta um ponto interessante.

Segundo ele, os países que resolveram bem o problema gastam mais de 10 vezes do que nós com saúde, por habitante.

Na saúde suplementar (privada) brasileira o multiplicador é de três vezes.

Ou seja, o orçamento do SUS precisaria pelo menos triplicar para ficar razoável.

A nova CPMF garantiria esse montante? Impensável. E se não garantir será legítimo desconfiar de uma armadilha no debate.

Desconfiar de que o governo usa a saúde para levantar recursos que não vão resolver o problema da saúde, mas vão garantir alguma folga de caixa ao governo.

Seria cruel.