Título: Bolsa Família agora atende aos moradores de rua e quilombolas
Autor: Lorenzi,Sabrina
Fonte: Gazeta Mercantil, 25/11/2008, Nacional, p. A5

Rio de Janeiro, 25 de Novembro de 2008 - Depois de alcançar mais gente que o total de pobres no País, o Bolsa Família parte agora para os grupos mais marginalizados pela sociedade. O governo federal decidiu estender o benefício à população de rua, às comunidades quilombolas e a ex-escravos recentemente libertados. São pessoas que em alguns casos já recebem o benefício, mas agora terão apoio específico para entrar no cadastro único dos programas sociais.

Os custos da universalização do Bolsa Família não preocupam o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS). Juntos, moradores de rua, quilombolas e vítimas resgatadas de trabalho escravo somam cerca de 310 mil pessoas, sem contar as crianças. É um total bem inferior ao número de benfícios retirados do programa a cada mês. Num único mês, mais de 2,7 milhões de benefícios foram cancelados pelo governo, de acordo com informações do MDS referentes a julho deste ano ¿ último dado disponível.

"O Bolsa Família não tem dificuldade para absorver estes grupos de pessoas. A grande dificuldade é chegar até eles, num processo em que municípios exercem papel fundamental", afirma a secretária de Desenvolvimento de Renda do MDS, Lúcia Modesto. Segundo ela, o governo contabilizou recentemente 250 mil pessoas vivendo em comunidades quilombolas. E 14 mil trabalhadores que viviam em condições degradantes de trabalho.

Para chegar à população de rua, o MDS financia a criação de centros de serviços de apoio às comunidades sem lar. Atualmente os recursos do governo federal com esta finalidade chegam a 51 cidades, mas a meta é dobrar esse número nos próximos meses. O MDS quer levantar centros de apoio à população de rua em todas os municípios com mais de 250 mil habitantes.

"Vamos ampliar o serviços que acolhem famílias com expansão do co-financiamento, para a instalação de serviços para população de rua, com albergues, serviços de identificação, documentação", diz Valéria Gonelli, diretora do Departamento de Proteção Social Especial do MDS. Com a expansão dos serviços de apoio, cresce o número de pessoas e as informações incluídas no cadastro único dos programas sociais, do governo federal. Neste sentido, Valéria destaca que já foi criado um anexo, uma lista extra ao cadastro, com esta finalidade.

A população sem endereço não aparece nas estatísticas. São ignoradas pelo Censo. Sem documentos, não têm acesso à educação nem saúde. A última pesquisa que traçou o perfil das pessoas sem lar mostra que também não exercem o direito de ir e vir. Um terço dos entrevistados da pesquisa disseram que não conseguiram entrar em estabelecimentos comerciais. Cerca de 30% não puderam andar de ônibus e 21,7% foram barrados em órgãos públicos.

A "Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua", do MDS em parceria com a Unesco, mapeou quase 32 mil adultos que moram nas ruas de 23 capitais e 48 cidades com mais de 300 mil habitantes. Ficaram de fora São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre, cidades onde foram realizadas pesquisas semelhantes recentemente.

Estudos anteriores citados pelo MDS relatam que há 10,9 mil moradores de rua em São Paulo; 1,3 mil em Recife e 1,1 mil em Belo Horizonte. São cerca de 45 mil, mas sem contar com as crianças, não contabilizadas pelo MDS.

Lúcia Modesto sabe que a nova fase do programa não será nada fácil. Primeiro, a dificuldade em encontrar as pessoas de rua, abordá-las e incluí-las no cadastro. Depois, estabelecer como conceder o benefício a pessoas que muitas vezes sofrem com a dependência química ou alcóolica. "Não será um apoio comum. Terá de haver um trabalho para cuidar das causas que levaram essas pessoas a morar na rua."

A pesquisa do MDS mostra que os principais motivos que levaram pessoas para as ruas têm relação com alcoolismo ou drogas (35,5%). O desemprego é responsável por desabrigar 29,8% dessa população. E desavenças familiares expulsam 29% deles de casa.

A grande surpresa da pesquisa é que a maioria da população de rua trabalha. São 70,9% que exercem alguma atividade remunerada. São catadores de materiais recicláveis (27,5%), flanelinhas (14,1%), operários da construção civil (6,3%). Outros trabalham na limpeza (4,2%) ou como estivadores (3,1%). Apenas 15,7% das pessoas pedem dinheiro como principal meio para a sobrevivência. "Esses dados são importantes para desmistificar o fato de que a população em situação de rua é composta por `mendigos¿ e `pedintes¿. Aqueles que pedem dinheiro são minoria."

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 5)(Sabrina Lorenzi)