Título: Omissão anula direitos do consumidor
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Fonte: Correio Braziliense, 16/03/2011, Opinião, p. 12

A tutela dos direitos do consumidor foi acolhida na Constituição de 1988 como dever do Estado (art.5º, inciso XXXII), marcado com o sinete de cláusula imune a qualquer tipo de reforma. Representou uma das conquistas da cidadania de mais elevada substância democrática, na medida em que atendeu às aspirações de toda coletividade. Para regular o preceito constitucional, o Congresso aprovou a Lei nº 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Nos 20 anos de existência, a legislação codificada promoveu mudanças apreciáveis nas relações de consumidores com agentes da produção econômica. Seria possível aguardar avanços ainda mais consideráveis ¿ indispensáveis ¿ se circunstâncias adversas não os tornassem problemáticos. Aí está o registro negativo que converteu a passagem, ontem, do Dia Mundial do Consumidor, em evento com escasso ânimo para comemorações mais estimulantes.

Em todas as áreas responsáveis pela prestação de serviços essenciais predomina um certo descaso das empresas, principalmente as públicas, com os clientes. As operadores de telefonia, de energia elétrica, de planos de saúde, de gás, de transportes terrestres e de aviação, para citar apenas as mais importantes, teimam em ignorar os direitos do cidadão assegurados no CDC. Ocupam as primeiras posições nas estatísticas de denúncias feitas pelos consumidores. Mas a mesma ofensa à lei abrange fornecedores de combustíveis, de eletrônicos e de equipamentos domésticos.

Quando lesadas, o caminho aberto às pessoas leva ao Programa de Orientação e Proteção do Consumidor (Procon) para postularem reparação de danos. Trata-se de órgão apenas eficaz para mediar pequenas controvérsias. Não dispõe de força cogente para obrigar grandes complexos econômicos a satisfazer direitos violados. Resta a busca de socorro à Justiça, onde a regra é os réus lançarem mão de todos os recursos para conduzir o processo ao infinito. Em São Paulo, por exemplo, 30% das ações em curso se referem a desobediências ao CDC.

A situação retrata a absoluta inoperância das agências reguladoras. Criadas para ajustar a conduta das prestadoras de serviços estratégicos às prerrogativas deferidas aos consumidores, omitem-se com espantosa frequência. Aneel, Anatel, ANS, ANA, ANTT, Anac, ANP não justificam sua existência com o ativismo regulador que lhes foi imposto como obrigação irrenunciável. Servem, antes, para frustrar a harmonização de produtores e fornecedores de serviços com os direitos garantidos a todos os brasileiros, conforme ordena a Carta Magna.

É intolerável que as fraudes às regras de proteção aos consumidores os obriguem a recorrer à Justiça. É responsabilidade do Estado, mediante atuação das agências, garantir-lhes a efetividade de seus direitos. Tal papel só cabe à Justiça porque as instâncias que deveriam desempenhá-lo não o fazem. É evidente, pois, a necessidade de pôr fim ao descalabro, antes que anule as garantias abrigadas no Código de Defesa do Consumidor.