Título: Lobista terá crachá no peito
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Gazeta Mercantil, 02/12/2008, Política, p. A9

Brasília, 1 de Dezembro de 2008 - O combate à corrupção no Brasil avançou nos últimos anos, mas o ministro Jorge Hage, da Controladoria Geral da União (CGU), abriu uma ofensiva para erradicar outros três cancros que estão no DNA da rapinagem aos cofres públicos: a regulamentação do lobby nos três poderes, a quarentena de um ano - extensiva a ministros e mais de dois mil servidores que fazem interface com a área privada - e o enterro definitivo da figura do "anfíbio", o servidor que usa o período de licença não remunerada para ganhar fortunas vendendo facilidades às empresas em débito com o Fisco. "O lobista vai usar crachá pregado no peito", avisa o ministro, em entrevista exclusiva à Gazeta Mercantil. Ele também revela a caixa preta que os órgãos de controle não conseguem abrir: o sigilo imposto por instituições financeiras - como Banco do Brasil, BNDES, Caixa e outros - que emprestam dinheiro público ao setor privado.

Gazeta Mercantil - Quais os exemplos de avanço no combate à corrupção?

A regulamentação do lobby. Ano passado tratei desse tema com as pessoas próximas aos níveis de decisão e este ano o projeto andou.

Gazeta Mercantil - Até então não se tocava no assunto?

Ninguém dava importância. Em 1989, eu estava no Congresso quando o senador Marco Maciel (DEM-PE) levantou essa bandeira. Agora, no seminário promovido pela CGU, Marco Maciel estava lá para fazer um pronunciamento sobre isso e lá estava também, a meu convite, o presidente do Senado, Garibaldi Alves. Na hora que falou, na solenidade, o Garibaldi disse: "Vou colocar isto na pauta imediatamente, porque é um absurdo o que estou ouvindo aqui, que tem 20 anos esse projeto tramitando".

Gazeta Mercantil - O projeto é bom?

O projeto não é suficiente. Ele foi feito há 20 anos. E, em segundo, ele foca só no Poder Legislativo. Queremos agora uma regulamentação mais ampla do lobby.

Gazeta Mercantil - O lobby mais forte talvez seja no Executivo, onde está o dinheiro ...

Nos dois. Mas o lobby junto aos parlamentares para aprovação de projetos e de emendas e destinação de dinheiro para obra tal ou qual. Em todos esses escândalos a gente vê os lobistas atuando nas duas frentes.

Gazeta Mercantil - Qual o diagnóstico da influência do lobby?

O tamanho a gente não sabe. A gente sabe, cada vez mais, as formas de operação deles. Sobretudo nessas operações conjuntas nossas com a Polícia Federal, a gente tem auditorias e as investigações mostram um retrato mais nítido dos mecanismos de operação. A polícia tem centenas de operações. Naquelas que são da nossa área (cerca de 80% das operações da PF), é rara a que não tem lobista no meio. Na nossa área, de combate à corrupção, raramente não tem lobista nas escutas. A importância da regulamentação do lobby é trazer isso para a superfície, dar visibilidade e transparência, exigindo registro da atividade.

Gazeta Mercantil - O senhor é favorável a profissionalizar o lobby?

Sim. Pode-se até não adotar esse nome, tendo em vista a carga pejorativa que ele já adquiriu. Mas em outros países ele tem esse nome mesmo, é uma profissão. Nos Estados Unidos não é nada pejorativo. A pessoa se identifica como lobista. Eu quero o lobista (circulando) com o crachá escrito lobista, onde ele vai ter o nome dele, a empresa e o interesse que ele representa.

Gazeta Mercantil - Se isso não tiver legalizado é como jogo de azar, se faz por baixo do pano?

Exatamente. Então, qual é o nome formal da atividade, que nós pusemos, inclusive no seminário sobre regulamentação: intermediação de interesses. Ora, intermediar interesses, é algo perfeitamente normal nas democracias representativas. Então, são interesses que nem sempre são só econômicos. Tem às vezes interesses de grupos sociais pró aborto, contra aborto, pró-células-tronco, contra células-tronco. No Supremo Tribunal Federal (STF), nos grandes debates de temas nacionais, a gente vê os grupos de interesses lá se movimentando, pressionando e não há nada de errado com isso. O problema é que, como não há regulamentação nenhuma, aí se misturam alhos com bugalhos. E aí os meios usados para fazer prevalecer o interesse A, o interesse B, é a propina, a corrupção, entrando na seara do crime. Vamos consolidar as sugestões colhidas para elaborar o projeto de lei, discutir no âmbito do Executivo e finalmente encaminhar ao Congresso.

Gazeta Mercantil - Que outras medidas complementariam o projeto do lobby?

As medidas estão no projeto de conflito de interesses, que chegou no Congresso há dois anos. Ele regulamenta a quarentena e também a atividade dos anfíbios, que é outro mal que temos que extirpar da administração pública. Nesse grupo estão os fiscais da Receita que pegam licença para tratamento de interesse particular, sem vencimento, durante dois anos, e vão prestar consultoria a empresas, na matéria na qual eles trabalham. Ou seja, vão vender legislação, porque quando eles voltam vão influir para que a legislação seja modificada para atender ao seu interesse.

Gazeta Mercantil - É a transferência de know-how do serviço público a interesses privados e criminosos?

Tem a influência, tem o acesso aos tomadores de decisão. Às vezes eles são os próprios elaboradores das normas, das instruções sobre Imposto de Renda, IPI, etc, feito de encomenda para aquela empresa, aquele grupo econômico. É uma prática terrível. Resultou, já, felizmente, em duas demissões emblemáticas, este ano. O ministro Guido Mantega (Fazenda) demitiu os dois mais emblemáticos símbolos dos anfíbios que era aquela dupla (Sandro Martins Silva e Paulo Baltazar Carneiro) que já tinha atuado lá atrás, há 20 anos, na OAS, Fiat, McDonald, etc.

Gazeta Mercantil - É possível dimensionar a influência desse grupo?

É uma prática bastante generalizada e que a lei, cujo projeto nós encaminhamos, torna expresso que não pode ter isso. Mas há uma certa controvérsia jurídica sobre saber se durante o período de licença sem vencimento, o servidor público continua ou não submetido a todos os deveres e vedações que ele tem quando está em atividade. Na lei nova, agora, nós dizemos com todas as letras, que se mantêm todas as vedações durante o período de licença. Acabou, não tem mais dúvida nenhuma. O projeto está no Congresso desde 2006. É o projeto de lei dos conflitos de interesse. Vale para todo os funcionários do Executivo, Legislativo e Judiciário.

Gazeta Mercantil - Consultoria, então, só depois de aposentado?

São duas áreas previstas. Uma, são os chamados períodos intermediários, durante o exercício. Digamos, você está em exercício e pega uma licença aqui, mas vai voltar. Então o projeto regulamenta isso. Aqui era o problema dos chamados anfíbios. Outra parte do projeto é dedicada ao após deixar o exercício, que é exatamente a quarentena.

Gazeta Mercantil - De quanto tempo será essa quarentena?

A quarentena hoje está regulada no Brasil de forma ridícula. São quatro meses e abrange não mais que 50 pessoas, entre ministros, membros de altos conselhos e mais nada. O nosso projeto amplia de quatro meses para um ano e de 50 pessoas para mais de 2 mil. Pega todos os cargos DAS-5 e também não ocupantes de cargos de confiança, mas que exerce funções como fiscal da Receita, da CGU, Cade, Secretaria de Direito Econômico, Ministério do Trabalho, que agem na interface com interesses privados.

Gazeta Mercantil - O controle do lobby, anfíbios, quarentena... é suficiente?

Precisamos melhorar na prevenção, através do controle interno, correição e prevenção. Já pusemos para fora dos quadros do serviço público 1.910 servidores, desde 2003. Abrimos um programa de capacitação de pessoal em processo disciplinar e temos um cadastro de 5 mil nomes que podem fazer auditoria em qualquer órgão que não tiver gente ou solicitar.

Gazeta Mercantil - É possível medir o efeito do controle à corrupção nas finanças públicas?

Tem muito chute. É difícil quantificar. Divulgam números computando como prejuízo o valor total. A própria PF às vezes confunde. Diz que o prejuízo foi de tantos milhões, quando não é. Agora, tem umas que sim (pode dimensionar). Exemplo: nós fizemos uma auditoria na Paraíba, na prefeitura de João Pessoa, na Operação Confraria, junto com a polícia e o Ministério Público. Eu me recordo dos números no valor total das obras, era um conjunto de obras viárias, eram R$ 80 milhões, nós calculamos um prejuízo de R$ 20 milhões, ou seja, 25%.

Gazeta Mercantil - O que acontece com as empresas responsáveis pelos desvios?

Criamos uma área que cuida especificamente de declaração de inidoneidade. A primeira foi a Gautama, depois as da Operação Sanguessuga e agora as da Operação Mão-de-obra, declaradas inidôneas. No dia 9 de dezembro, no Dia Internacional Contra a Corrupção, vamos lançar o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas.

Gazeta Mercantil - Como fazer a prevenção à corrupção?

A primeira providência na área de prevenção é incremento à transparência. Não há desinfetante melhor do que a luz do sol. Depois vem o controle social.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 9)(Vasconcelo Quadros)