Título: Hillary, um perfil bastante incomum para tempos difíceis
Autor: Cooper, Helene
Fonte: Gazeta Mercantil, 04/12/2008, Internacional, p. A12

Washington, 4 de Dezembro de 2008 - Hillary Rodham Clinton não domina nenhuma língua estrangeira, mas já visitou 90 países. Ela nunca chegou a negociar um acordo entre dois lados beligerantes, mas um discurso seu proferido em Pequim em 1995 ainda é citado ao redor do mundo por aqueles que trabalham na defesa dos direitos da mulher.

Escolhida pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, para ocupar o cargo de secretária de Estado, Hillary possui um currículo que é, em muitos aspectos, mais limitado do que o daqueles que a precederam. Ela não tem as décadas de experiência acadêmica e conhecimentos em assuntos de política externa de Condoleeza Rice, nem possui o know-how militar de Colin Powell ou a vivência de Warren Christopher, que foi secretário de Estado entre 1993 e 1997.

Nem a relação amigável da qual desfrutava James A. Baker III com seu chefe. Ou a credibilidade de uma Madeleine K. Albright ou de um Henry A. Kissinger, cujos locais de nascimento - Praga e Bavária - lhes conferiram uma aura cosmopolita que serviu para abrilhantar suas credenciais diplomáticas.

Ainda assim, a escolha de Hillary deixou o mundo da diplomacia eletrizado. As autoridades estrangeiras poderão, agora, sentar-se na mesma mesa com uma ex-primeira-dama americana, com toda a sua trajetória dramática.

"Assim que ela chegar em uma capital, a cidade imediatamente se tornará alvo de todas as atenções", defendeu George Friedman, presidente da Stratfor, empresa de análise de riscos geopolíticos. "Ela certamente desfrutará da completa atenção de qualquer líder estrangeiro que estiver na mesma sala que ela."

Além de gozar do prestígio de uma estrela de cinema, simpatizantes defendem que o seu background pouco ortodoxo esconde habilidades diplomáticas que muitos de seus antecessores no cargo não possuíam. E também recusam a idéia de que a sua incapacidade para pedir uma refeição em francês reflita-se na incapacidade de, por exemplo, convencer a União Européia a enviar mais tropas ao Afeganistão.

"Há inúmeras autoridades de relações internacionais com carreiras de sucesso, mas um secretário de Estado, mais do que ninguém, precisa entender a complexidade do mundo", afirmou Liz Schrayer, diretora do Center for US Global Engagement. "No mundo de hoje, os critérios utilizados há uma década já não valem mais."

Hillary, no momento, não desfruta da mesma proximidade nas relações de trabalho com Obama que gozavam dois dos mais respeitados secretários de Estado - Dean Achjeson e George Marshall - junto ao presidente Harry S. Truman. No entanto, nenhum dos dois era amigo íntimo do presidente quando assumiram suas funções. "Eles desenvolveram uma intimidade profissional com Truman com o decorrer do tempo", afirmou Richard C. Holbrooke, ex-embaixador dos EUA na ONU. Hillary, defendeu, "compreende as questões mundiais, os direitos das mulheres e a diplomacia; e observou o marido tomar decisões sobre guerra e paz".

A idéia segundo a qual Hillary teria absorvido experiência diplomática de primeira mão via osmose durante seus oito anos como primeira-dama foi um ponto de disputa durante as primárias do partido democrata, quando os partidários de Obama menosprezaram suas habilidades neste quesito. Na última segunda-feira, quando o nome de Hillary foi anunciado oficialmente, Obama deixou claro que estas rixas ficaram no passado. Agora, assessores de ambos os lados afirmam que os partidários de Obama exageraram nas críticas quanto à falta de experiência de Hillary para lidar com políticas de política externa. Hillary visitou 82 países na condição de primeira-dama.

O ponto central no currículo de Hillary é saber se ela será realmente capaz de articular um acordo de paz - requisito essencial para qualquer bom secretário de Estado.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12)(Helene Cooper/The New York Times)