Título: Mercado interno precisa ser estimulado
Autor: Rosa,Leda
Fonte: Gazeta Mercantil, 08/12/2008, Brasil, p. A8

São Paulo, 8 de Dezembro de 2008 - Ozires Silva tem 77 anos e fôlego de menino. Há menos de um mês, o engenheiro e piloto que criou a Embraer é o novo reitor da Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), em Santos (SP), e já tem planos. Primeiro, ampliará a grade curricular para formar engenheiros e outros profissionais de Ciências Exatas. Ao mesmo tempo, ajustará estes novos graduados às necessidades do mercado de trabalho que se abrirão com a exploração do pré-sal no litoral santista. O ex-ministro da Infra-estrutura e das Comunicações também negocia, paralelamente, com a prefeitura de São José dos Campos (SP), a construção de um museu interativo para estimular futuros engenheiros. Em um intervalo entre as reuniões diárias que mantém em seu escritório na marginal Pinheiros, o ex-presidente da Petrobras e da Varig, falou sobre educação, crise e também sobre seu tema preferido: o setor aéreo. Nascido em Bauru (SP), Ozires Silva é oficial da Aeronáutica e engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)

Gazeta Mercantil - Como o senhor avalia a política educacional que é desenvolvida hoje?

Que política educacional? Existe? Deve estar muito escondida.

Gazeta Mercantil - O que falta à educação brasileira?

Não estou falando do atual ministro, nem do atual governo, mas acho que não precisa de um dirigismo cultural a partir de Brasília. Rejeito isto claramente. O povo não mora na União federal, o povo mora na cidade e mora no estado. Especialmente na cidade, portanto a educação é um problema da cidade, de cada um dos habitantes, não é um problema governamental, de um cara que está lá em Brasília, soltando diretiva de tudo quanto é jeito. A quantidade de portarias, decretos, diretivas de ensino que saem é imensa. Não se passa um dia que não receba alguma por e-mail, modificando alguma coisa de caráter drástico que muitas vezes impõe custos às companhias e o governo não paga.

Gazeta Mercantil - O que cabe então ao estado?

Traçar uma política a mais aberta possível. Primeiro porque não acredito que a educação se expanda em um regime repressivo. A educação faz parte de um processo criativo absolutamente aberto, em clima de liberdade.

Gazeta Mercantil - Neste contexto, qual é a importância do ensino gratuito?

Sou produto do ensino gratuito. Comecei minha carreira na Força Aérea, aprendi a voar e sou oficial dela, que também me forneceu a vaga no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (Ita) e a bolsa para a pós-graduação nos Estados Unidos.

Gazeta Mercantil - Quais as perspectivas para a crise pós-posse do Obama?

Os Estados Unidos (EUA) estão desaparelhados para enfrentar a crise. O mercado financeiro americano permitiu desmandos com cobertura e prejudicou enormemente a sociedade. A grandeza dos EUA está em um negócio chamado liberdade, que nós não temos aqui no Brasil. Isto dá expansão para a criatividade de cada americano e, no clima de liberdade, eles produzem as riquezas. Mas o governo deve prover a sociedade de mecanismos de previsibilidade e isto faltou em relação ao sistema financeiro americano. O que cabe ao (Barack) Obama é fazer este ordenamento para que o sistema dê respostas satisfatórias a quem corre risco.

Gazeta Mercantil - E no Brasil, também falta este ordenamento?

Até hoje, vivi 22 planos econômicos no Brasil. Estes pacotes vacinaram o sistema financeiro brasileiro que acabou tendo um ordenamento muito melhor que o americano. O sistema brasileiro está muito mais preparado para enfrentar situações que o americano.

Gazeta Mercantil - Como a crise vai impactar o país em 2009?

A crise é para eles, para nós é oportunidade. Com nosso sistema financeiro mais protegido que o deles, podemos ocupar espaços que eles não poderão.

Gazeta Mercantil - E como tirar vantagem deste momento?

Uma das coisas que podemos fazer é descobrir que temos um mercado interno extremamente poderoso. Podemos criar estímulos para este mercado. A economia brasileira por si só é um recurso do maior valor, que o brasileiro não usa. É a hora de começar a descobrir a produção brasileira e estimular a produção brasileira, assim como o consumo. Se um copo for importado, vamos comprar o copo fabricado aqui. É uma oportunidade de ouro para desenvolver o mercado interno criando uma economia doméstica poderosa, uma das principais características dos EUA.

Gazeta Mercantil - Que outras ações seriam positivas em 2009?

Reforma tributária, redução da taxa de juros e da burocracia para se gerar riqueza para investir. É preciso flexibilizar a legislação para que empresas que quebrem voltem a funcionar. Tudo baseado em liberdade e estímulo para crescer e se desenvolver.

Gazeta Mercantil - Por que o senhor costuma dizer que o brasileiro é vocacionado para o fracasso?

O brasileiro é extremamente criativo, mas o sistema cultural lhe impõe tais dificuldades que os brasileiros morrem sem realizar seus sonhos.

Gazeta Mercantil - Então, o problema não é só o governo?

Não, é o sistema cultural. A população não compra produtos brasileiros. Não é como o chinês, que só compra produtos chineses, o americano só compra produtos americanos. Nós só compramos os produtos deles. Os políticos agem de acordo com o que está na cultura do povo. O povo busca o sucesso mas não consegue. É vaticinado ao fracasso devido a tais circunstâncias.

Gazeta Mercantil - Como foi vencer esta mentalidade e criar a Embraer?

Levei vinte anos para começar a fazer alguma coisa que prestasse. A turma do deixa-disso não dava trégua. Diziam que o avião não seria fabricado, se fosse, não venderia. Mas desistir não faz parte do meu dicionário. Agora veja o recorde que temos. A Embraer é a maior do mundo na fabricação de aviões regionais. Mas não temos um avião brasileiro voando no Brasil. Zero. A maior frota de aviões nos Estados Unidos hoje é a nossa.

Gazeta Mercantil - O que pode ser feito?

A política geral do governo - deste e de todos os outros que o precederam - é extremamente restritiva, de um dirigismo fantástico que inibe a capacidade criativa e a liberdade de pensar. Na hierarquia das idéias aqui no Brasil, o mais inteligente é o Lula, abaixo dele os ministros com boa inteligência, depois os funcionários públicos, com boa inteligência, depois vem a ralé, 200 milhões de brasileiros, todos burros.

Gazeta Mercantil - Ocorreram recentemente acidentes aéreos envolvendo aviões da Gol e da Tam. O que mudou dos acidentes para cá?

O acidente aeronáutico tem como característica ter grande repercussão, mas eu diria, com todo respeito às famílias das vítimas, que o trânsito mata mais do que este total. Mas quando ocorre num avião, vira manchete no mundo inteiro. Comparativamente, o avião é o veículo mais seguro no mundo. Só perde para o elevador. O único valor do acidente é o que se aprende com ele. E quando se busca culpados por um acidente perde-se informações importantes sobre o que aconteceu porque as pessoas querem se defender. Que história é esta de buscar culpados? Aquilo foi um acidente, nenhum piloto quer matar ninguém ou cometer suicídio.

Gazeta Mercantil - Mas, pelas regras da aviação, dois aviões não podem voar na mesma altitude, como o Legacy e o avião da Gol.

Mas não há um responsável por este fato. O que aconteceu foi um choque de cultura. Segundo a prática dos Estados Unidos, o piloto não fala mais com o centro de controle e cumpre o plano de vôo ou a última instrução que o controle fornece. Vinte minutos antes do Legacy chegar em Brasília, o centro de controle disse que eles estavam sob supervisão do radar e que deveriam manter os 37 mil pés de altura. Então, para o piloto americano, mudou o plano de vôo. Para o controlador brasileiro, não, porque ele teria, pela prática brasileira, que falar com Brasília quando estivesse sobrevoando o Distrito Federal. Os pilotos americanos seguiram a lógica com a qual estão acostumados e passaram por cima de Brasília, mantendo os 37 mil pés. Não se comunicaram mais. Os controladores brasileiros esperavam que, sobre Brasília, o Legacy entrasse em contato e descesse mil pés. O piloto americano tem uma cultura diferente da nossa.

Gazeta Mercantil - Como o senhor analisa os planos de privatização dos 68 aeroportos do País?

Acho ótimo. A legislação brasileira, sobretudo depois do governo militar, começou a se complicar muito e reduzir o poder, a dinâmica governamental de prestar serviços ao cidadão. O governo não tem mais, lei de concorrência pública, fiscalizações enormes que ficam mais importantes que o produto. Temos que admitir que o governo não tem mais a menor condição de prestar serviço diretamente ao cidadão em nenhuma área. O que tem de fazer é flexibilizar as concessões do serviço público e botar tudo na mão do setor privado que tem a dinâmica necessária que a legislação não permite que o governo tenha. Não se trata de competência. É que um está amarrado com legislação extremamente apertada e do outro, o setor pode exercer suas funções com mais agilidade. E com aplausos da população.

Gazeta Mercantil - Quais as principais necessidades do transporte aéreo hoje?

Mais cidades atendidas. As companhias em operação hoje, Gol e Tam, só atendem a 44 cidades. Temos que vascularizar o transporte aéreo do país. O avião concede a matéria-prima mais importante do mundo moderno: tempo. Não podemos prescindir deste modal, ele não se restringe apenas à elite, especialmente em um país gigantesco como o nosso. Não é possível que os americanos transportem 900 milhões de passageiros ao ano e nós não cheguemos nem a 60 milhões.

Gazeta Mercantil - Quais são seus planos como reitor da Unimonte?

O grupo Anima, que comprou a Unimonte há dois anos, já começou um plano que está funcionando e tem características vencedoras. Quero destacar nossa entrada na área de Engenharia. Tenho insistido que o Brasil está produzindo poucos engenheiros. Estudos nesta direção já estão em curso.

Gazeta Mercantil - Por que formar engenheiros é importante?

As companhias americanas estão reclamando que os Estados Unidos não formam engenheiros suficientes para o desenvolvimento e necessidades do país. A China produz 300 mil engenheiros por ano. Em 2007, o Brasil formou 23 mil. Quem realmente fabrica as coisas são os engenheiros, então esta é uma questão muito séria.

Gazeta Mercantil - Na Universidade Santo Amaro, onde o senhor era o reitor, esta tendência já era sentida?

Sim, no vestibular de 2007, 70% dos jovens preferiram Ciências Humanas.

Gazeta Mercantil - Matemática continua sendo um tabu na escola?

Na realidade, Matemática é uma das fraquezas da educação brasileira. Estamos articulando um programa para estimular o desenvolvimento dos alunos nesta área, com palestras e atividades dirigidas. A Matemática está nas nossas vidas, mas, no Brasil há uma barreira, as pessoas acham complicado. O resultado é que a população brasileira não sabe fazer contas simples como uma regra de três. Taxas de juros, então...

Gazeta Mercantil - Qual a raiz deste quadro?

Quando a criança olha um produto, especialmente algo que se move, algo interativo, ela se sente muito atraída. Evidentemente, isto fica no subconsciente da criança, e quando chega na hora de fazer uma opção profissional, do que ela se lembra? Se lembra disto. A sociedade brasileira tem que se preparar para a nova realidade, a partir dos alunos das primeiras séries.

Gazeta Mercantil - Foi esta preocupação que deflagrou o projeto do museu infantil em São José dos Campos?

Sim. Sou muito próximo de São José e o prefeito de lá topou construir em uma praça um museu interativo, patrocinado por empresas. Neste espaço, as empresas vão expor seus produtos e mostrar como são fabricados. Então a criançada vai lá e mexe, tem vidro, tem avião, tem automóvel, acessórios da indústria aérea. As crianças vão conhecendo possibilidades, percebendo melhor suas afinidades e direcionar as vocações.

Gazeta Mercantil - A idéia então é formar profissionais que vão atuar no pré-sal santista?

O pré-sal de Santos é um presente enorme da natureza, mas a indústria do petróleo é concentradora. Se não fizerem nada em relação àquela parte toda decorrente da descoberta do petróleo, vai ter santista crescendo sem ver que cara tem o petróleo, porque o produto entra em um oleoduto e vai ser trabalhado em regiões mais desenvolvidas.

Gazeta Mercantil - Que ações recomendaria para evitar este quadro?

O investidor vai para onde estão as maiores facilidades, onde possa gastar menos. Quando comecei a fabricar avião, o pessoal reclamava que o motor, pneus, eletrônica eram importados. Eu dizia que tudo isto a indústria de avião não fabrica. Se não tem no Brasil, vamos comprar lá fora. Se Santos não tiver esta mão-de-obra preciosa, o investidor não colocará o dinheiro na cidade. O mesmo acontece em relação aos talentos, ao pessoal para tocar plataforma, sistema de distribuição de óleo.

Gazeta Mercantil - Formar esta mão-de-obra é uma estratégia pensada em parceria com a Petrobras?

Conheço bem e tenho discutido bastante com o superintendente da Petrobras que está tocando este projeto do pré-sal, o José Luiz Marcusso. O setor de recursos humanos da Petrobras está discutindo quais são as especialidades que devem precisar de reforços. Tudo está vinculado a uma provável oferta de emprego. Não adianta formar um especialista em operação de plataforma que depois não encontra emprego.

Gazeta Mercantil - A crise pode alterar o cronograma da exploração do pré-sal ?

O cronograma do pré-sal, devido à dificuldade técnica, é de longo prazo. Se o País fizer as mudanças necessárias, o pré-sal não será afetado. Quando conseguirmos tocar no óleo de Santos, o que acontecerá no mínimo em 2015, não vamos nem nos lembrar desta crise.

Gazeta Mercantil - O senhor será um articulador dos projetos da Unimonte?

Vou ajudar no que posso, o time é muito bom. Na reitoria não exercerei atividades executivas, que ficarão a cargo do vice-reitor Flávio Korn. Não assumir funções executivas foi uma condição para aceitar o cargo. Já tenho quase 80 anos e costumo brincar que minha expectativa de vida é pequena. Quero é mandar brasa em projetos que possa executar.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 8)(Leda Rosa)