Título: Em tempos difíceis, Rússia busca reaver indústrias
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Fonte: Gazeta Mercantil, 09/12/2008, Internacional, p. A13
BEREZNIKI (Rússia), 9 de Dezembro de 2008 - Em outubro passado, um dos maiores tenentes de Vladimir V. Putin intimou um oligarca bilionário do setor de mineração a participar de uma reunião secreta. O oficial, Igor I. Sechin, mostrou súbito interesse por um acidente ocorrido dois anos antes nas operações de mineração altamente lucrativas do oligarca no centro industrial da Rússia.
Sechin, líder de uma facção obscura do Kremlin ligada a serviços de segurança do Estado, pediu nova investigação sobre o acidente, de acordo com notas da reunião. Com um ministro do Interior que ivestiga crimes financeiros do lado dele, Sechin ameaçou dar multas contra a Uralkali.
Assustado, o oligarca, Dmitri E. Rybolovlev, destacou que o governo já tinha investigado a fundo o incidente e eximiu a companhia de qualquer responsabilidade. Ele tentou se defender da acusação dizendo que pagaria por parte do dano à infra-estrutura causado pelo acidente (queda de uma mina que não feriu ninguém mas deixou um buraco imenso). A oferta foi recusada, e o motivo ficou claro: o Kremlin fazia uma manobra para confiscar a Uralkali.
Putin, ex-presidente e atual primeiro-ministro, há muito tempo diz que a Rússia cometeu um erro colossal nos anos 1990 por permitir que reservas enormes de petróleo, gás e outros recursos naturais caíssem nas mãos de empresas privadas. Putin agiu descompromissadamente (de forma mais notável no ataque de 2003 à Yukos Oil) para reavê-las.
O Kremlin parece capitalizar em cima da crise econômica, explorando a oportunidade para ter mais controle sobre indústrias com problemas financeiros, há tempos cobiçadas, principalmente as ligadas a recursos naturais.
No mês passado, por exemplo, o governo assumiu maior influência sobre a Norilsk Nickel, maior produtora de níquel do mundo. E Putin disse na quinta-feira que considerava outras intervenções semelhantes.
Ainda assim, a questão da Uralkali pode ilustrar com rara clareza a vontade das autoridades de usar quaisquer meios necessários para obter esses bens, incluindo sujeitar as empresas a investigações questionáveis às quais têm poucas chances de resistir, segundo analistas financeiros.
O confidente de Putin
À frente desses esforços está Sechin, 48 anos, vice-primeiro-ministro confidente de Putin desde que os dois trabalharam no governo de São Petersburgo no início dos anos 1990. Sechin quase nunca dá entrevistas ou fala publicamente, mas acredita-se que esteja usando os serviços secretos e outros braços do governo para capturar as companhias. "Ele organiza essas desapropriações para beneficiar o Estado ou as companhias que estão do lado dele", revela Olga Kryshtanovskaya, especialista do Kremlin do Centro de Estudos das Elites em Moscou.
O papel de Sechin na investigação da Uralkali levou os analistas e investidores a presumirem que a companhia está em perigo. As ações da Uralkali, que já tiveram altos preços, caíram mais de 60% desde o início da investigação, bem mais que o mercado de ações.
O fato causou prejuízos enormes para Rybolovlev, 42 anos, ex-estudante de medicina conhecido como o rei dos fertilizantes da Rússia por causa de seu domínio sobre o negócio de exploração de carbonato de potássio, componente principal de fertilizante. Em junho, quando a Uralkali estava em alta, Rybolovlev chamou a atenção comprando a mansão de Donald Trump em Palm Beach, Flórida, por US$ 95 milhões. Rybolovlev e outros executivos da Uralkali se recusaram a ser entrevistados para essa matéria.
O Kremlin não disse quando haverá uma decisão sobre a Uralkali, e a companhia espera negociar um pagamento que incluiria multa de algumas centenas de milhões de dólares. Para analistas, há uma chance de Sechin voltar atrás depois de ver o mercado de ações reagir de forma tão hostil à investigação.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 13)(Clifford J. Levy/The New York Times)