Título: Primeira reforma econômica completa 30 anos
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 09/12/2008, Internacional, p. A14

Pequim, 9 de Dezembro de 2008 - A China celebra neste mês o 30 aniversário do início de suas reformas econômicas, que trouxeram ao país taxas de crescimento galopantes e mais peso no cenário internacional - além de transformar a sociedade chinesa sem comprometer o poder absoluto do Partido Comunista (PC).

A ata de criação das reformas data de dezembro de 1978, quando o PC comandado por Deng Xiaoping, um sobrevivente das perseguições de Mao Tsé Tung, ratificou na III Sessão Plenária do XI Congresso as orientações que melhorariam radicalmente as condições de vida dos chineses.

Nessa época, a China saía da Revolução Cultural, período de intensa violência política e social liderada por Mao, fundador do regime e que morreu em 1976.A nova "revolução" começou no campo, onde as autoridades começaram a descoletivizar as terras e a apagar do mapa as comunas populares. Em seguida, o desmantelamento do sistema e das antigas doutrinas se espalharia rapidamente para as zonas urbanas.

Xiaoping escolheu o extremo sul do país como uma espécie de cobaia para suas reformas.

"O método foi extremamente original", afirma Jean-François Di Meglio, vice-presidente do Centro Ásia, instituto de pesquisas sediado em Paris. "Eles fizeram pequenos testes, abandonando qualquer forma de dogmatismo."

Shenzhen, Zhuhai, Shantu e Xiamen se tornaram as primeiras Zonas Econômicas Especiais, que admitiram empresas estrangeiras produzindo para exportação. Aos poucos, a economia planificada começou a assimilar mecanismos de mercado e foi timidamente abrindo as portas do país. O processo foi executado sob o lema das "Quatro Modernizações": indústria, agricultura, pesquisa e defesa.

Em 1992, Xiaoping disse aos chineses que ser rico era "glorioso", e que eles poderiam consegui-lo através da "economia socialista de mercado". A China havia deixado para trás, definitivamente, sua utopia igualitária. Alguns obviamente enriqueceram antes dos outros, mas Xiaoping pediu que todos tivessem paciência.

"No conjunto, a vasta maioria da população viu sua qualidade de vida melhorar em 30 anos de reformas", estimou Jean-Louis Rocca, pesquisador da Universidade Tsinghua de Pequim.

"Mas houve um considerável aumento da desigualdade social", ponderou, destacando que o auge das reformas aconteceu em meados dos anos 90, quando o governo deu um passo sem precedentes ao fechar milhares de empresas estatais e dar as boas-vindas ao capital estrangeiro.

Milhões de chineses ficaram sem emprego com o fechamento das estatais, mas essa mão-de-obra foi aos poucos reabsorvida pelos vários pequenos negócios que foram sendo criados.

Com a expansão econômica e o enriquecimento da população, em poucos anos surgiram em toda a China várias megalópoles, simbolizando o crescimento astronômico que deixou o mundo perplexo.

Desde 1978, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita chinês duplica-se a cada nove anos, e desde 1990 o crescimento anual já registrou cifras acima de 10% em dez ocasiões, transformando a China na quarta maior economia do planeta.

No plano diplomático, a China se apresentou renovada à comunidade internacional, ingressando em organismos multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC).

No campo político, "as decisões radicais tomadas exigiram um governo mão de ferro e estabilidade política" para se manter, apontou Rocca. O PC construiu sua força na garantia dessa estabilidade, recorrendo, porém, à repressão, como ilustrou a reação do governo às manifestações pró-democracia da Praça da Paz Celestial, em Pequim, em junho de 1989.

O "milagre chinês" também trouxe consigo, a partir de 1996, uma autêntica revolução dos valores sociais e estilos de vida. Os cidadãos se entregaram ao consumo, conheceram aparelhos eletrodomésticos e hambúrgueres do McDonald's, passaram a poder se divorciar com mais facilidade e viajar para outros países. A classe média prosperou nas cidades, e começaram a aparecer os primeiros milionários, aplaudidos pelo PC. Mas o abismo entre a cidade e o campo se ampliou perigosamente, a corrupção se tornou endêmica e o meio ambiente foi brutalmente sacrificado em nome do desenvolvimento.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14)(Pascale Trouillaud/AFP)