Título: Os desafios da guerreira
Autor: Tavares, Carlos
Fonte: Correio Braziliense, 17/03/2011, Saúde, p. 29

O primeiro mapa brasileiro do portador de câncer coincide com algumas conquistas no campo da farmacogenética. São drogas-alvo com potencial de cura, mas que, muitas vezes, funcionam apenas de forma temporária. Entre as pessoas que se tratam de câncer de pulmão em Brasília, uma chama a atenção pelo fato de se encaixar no atual modelo de terapias personalizadas e, sobretudo, por dar respostas surpreendentes ao tratamento.

A dona de casa Isabella Cordeiro Arantes, 49 anos ¿ desenganada duas vezes ao longo dos últimos 13 anos ¿, personifica a esperança e o desafio à medicina, digamos, convencional. Sua resistência consiste na adoção de drogas novas e drogas associadas, além de uma força muito especial que compõe seu arsenal de combate à doença. ¿Todos os dias eu acordo e digo: eu consigo¿, afirma, abraçada a uma Bíblia.

A energia espiritual de Isabella não se alia ao sobrenatural e ela mesma admite que a fé e o apego aos Evangelhos ¿são apenas instrumentos de Deus¿, assim como os médicos e os remédios. ¿Tenho consciência da minha situação, tenho medo, sofro, mas algo me põe pra cima toda vez que esmoreço. Eu sou um milagre¿, afirma, sem constrangimento, a mulher que desafia os prognósticos.

Realmente, não dá para discordar muito da mulher de olhar sereno e calma evidente que atravessa uma nova crise da doença, deitada em seu leito de home care, em sua casa, no Lago Norte. Na próxima semana, ela vai usar uma nova droga sob estudo. ¿Isabella é um caso surpreendente mesmo. Ela pode incluir a palavra `milagre¿ em seu sobrenome¿, afirma Gustavo Fernandes, coordenador médico da futura unidade candanga do Hospital Sírio Libanês, que a acompanha há dois anos.

Da última vez em que foi desenganada, em 2002, o médico que lhe deu seis meses de vida viajou para os Estados Unidos, fez mestrado e doutorado e, quando voltou, encontrou-a em pleno tratamento. ¿Eu fui cobaia nessa época com outros 31 pacientes com o mesmo tipo de câncer e apenas eu sobrevivi¿, relata a paciente. O tipo de câncer de Isabella, com mutação do gene EGFR, permite uma margem estimada em cinco anos de sobrevida.

No começo dos anos 2000, ela se submeteu a testes com drogas cujos princípios ativos são o gefitinibe e o erlotinibe, dois inibidores do oncogene EGFR (sigla inglesa para receptor de fator de decrescimento epidermal). ¿Pacientes com este tipo de mutação (EGFR) respondem bem a essa família de drogas, que podem ser administradas oralmente e são muito eficientes no controle do câncer de pulmão¿, explica Fernandes. (CT)

Números superlativos A cada ano, no Brasil, há cerca de 500 mil novos casos de câncer, segundo dados do Inca para 2010 e 2011. Entre 2000 e 2007, os investimentos do Ministério da Saúde com a doença aumentaram em 20% ao ano, passando de R$ 200 milhões para R$ 1,7 bilhão, em 2007. Anualmente, são internados cerca de meio milhão de pacientes em todo o país com algum tipo da doença. Todos os meses, 235 mil procuram os ambulatórios para fazer quimioterapia; 100 mil para fazer radioterapia.