Título: Crise será bem menor se o governo investir mais
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 29/12/2008, Editoriais, p. A2

29 de Dezembro de 2008 - cape 1,A carteira de encomendas da indústria de máquinas e equipamentos registrou queda de 32% entre 15 de setembro e 1 de dezembro. É um consistente sinal de alerta sobre a gravidade da crise em um setor com forte conexão com a capacidade de investimentos. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) revelou que a produção acumulada no ano não será reposta porque não há novos pedidos, reafirmando o aumento da inadimplência, os cancelamentos e os adiamentos de entregas. Segundo a associação, a carteira de pedidos se esgota em meados de fevereiro.

Há, obviamente, uma urgência no enfrentar dessa crise. A previsão da Abimaq é de que em março o setor terá forte perda de postos de trabalho. Por essa razão, a associação identifica que o governo até conta com um razoável conjunto de medidas para conter a crise, mas tem muito pouco tempo para agir. Algumas dessas medidas são bem objetivas, como a possibilidade de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), benefício já concedido para a indústria automobilística que poderia ser estendida para o setor; outra iniciativa seria melhorar as linhas de crédito do BNDES para o segmento. A mais consistente forma de repor a evolução perdida na carteira de pedidos de máquinas e equipamentos seria devolver capacidade de investimentos para a economia brasileira. Como propôs a Abimaq, a medida mais eficiente, capaz de realmente enfrentar a crise seria o governo antecipar para o primeiro semestre os investimentos públicos orçados para o segundo semestre do próximo ano. Em outras palavras, a associação pede que o Estado exerça, no momento de crise, o seu papel indutor, compensando, em parte, a perda dos investimentos privados.

Neste ponto mora o perigo: com que recursos o governo fará investimentos capazes de desatolar a economia brasileira? É obrigatório lembrar que o governo federal teve um déficit de R$ 4,3 bilhões nas contas públicas de novembro. A Secretaria do Tesouro Nacional informou que esse é o pior resultado para esse mês na série histórica iniciada em 1997. Merece atenção que no mesmo mês do ano passado o Tesouro registrou um superávit de R$ 4,5 bilhões. Os técnicos do governo admitem que a maior razão para o déficit foi a forte queda na arrecadação em novembro, acompanhando a desaceleração da economia. A receita bruta do Tesouro recuou R$ 10,1 bilhões em novembro, R$ 53,8 bilhões em outubro ante os R$ 43,7 bilhões no mês passado, um recuo de 18,8% na receita tributária.

O quadro da receita foi tão afetado que os técnicos do Tesouro preferiram destacar os "fatores específicos" no lado das despesas que explicam o déficit. Em novembro o governo pagou R$ 782 milhões que devia aos estados como repasses da Lei Kandir, além de um aumento de R$ 2,4 bilhões nas despesas daPrevidência Social, sem esquecer que foram necessários mais R$ 2,1 bilhões para cobrir os novos gastos com a folha de pessoal. O governo tem uma enorme dificuldade em cortar gastos correntes. O problema é que os aumentou, de forma incisiva, ao longo de 2008, com muitas concessões de reposições salariais e concessões de aumentos para o funcionalismo na época das vacas gordas. Esses gastos são irreversíveis e, agora, no momento da crise, o governo tem pouca margem orçamentária para estimular investimentos e arcar, ao mesmo tempo, com tamanha expansão dos gastos correntes. O governo estimou que a receita continuaria a avançar em 2009 e, literalmente, já gastou por conta dessa previsão.

A receita tributária depende da atividade econômica. O Banco Central já estimou um aumento do PIB para 2009 abaixo das previsões do governo por identificar que um dos principais motores da expansão, o consumo das famílias, sofrerá forte recuo dos 6,2% de crescimento neste ano para 3,8% em 2009. A confiança do consumidor brasileiro já assimilou essa retração econômica, como demonstrou o Índice de Confiança do Consumidor da Fundação Getulio Vargas. O governo só reverterá esse quadro com ações muito rápidas e pontuais, concentradas na expansão do investimento público. Porém, como investir, se o governo não quer, por razões políticas, cortar os gastos correntes, o principal deles com o funcionalismo? Como demonstra a difícil execução do Programa de Aceleração do Crescimento, o investimento na obra pública, com tantos efeitos multiplicadores na economia, na maioria das vezes não sai do papel. A preocupação da indústria de máquinas e equipamentos com a agilidade para conter a crise tem razão de ser. A pior fase da crise, a do desemprego acelerado, não irá esperar pela vontade de agir do governo.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)