Título: A recente parada da indústria brasileira
Autor: Mori,Rogério
Fonte: Gazeta Mercantil, 07/01/2009, Opinião, p. A3

7 de Janeiro de 2009 - A exemplo do que vem ocorrendo no resto do mundo, os indicadores da atividade econômica brasileira começaram a demonstrar de forma inequívoca que nossa economia encontra-se em forte desaceleração.

O indicador da produção industrial brasileira de novembro de 2008, divulgado pelo IBGE, mostrou uma acentuada retração da atividade da indústria no período. De acordo com a pesquisa, a produção, em termos dessazonalizados, recuou 5,2% em novembro relativamente ao mês anterior. A queda em relação ao mesmo período de 2007 também foi grande, com recuo de 6,2% nessa comparação.

Essa foi a maior queda na série dessazonalizada na passagem de um mês para o outro desde maio de 1995, quando, segundo o IBGE, a produção recuou 11,2%. Deve ser lembrado que, naquele período, o País enfrentava os riscos de sobreaquecimento em função dos efeitos da implementação do Plano Real no semestre anterior e da crise do México, de fins de 1994, o que levou o Banco Central a elevar a taxa básica de juros a um patamar significativamente elevado e a subir a proporção dos depósitos compulsórios.

Tais movimentos por parte do BC provocaram um aperto substancial no crédito e uma brutal retração na atividade econômica no período. Essa retração foi considerada essencial para evitar a formação de novas pressões inflacionárias que pudessem comprometer o sucesso do programa de estabilização da inflação em patamar baixo.

O momento atual, embora inteiramente distinto em termos de realidade econômica, também reflete o aperto do crédito ocorrido na economia brasileira desde o acirramento da crise econômica e financeira no segundo semestre do ano passado. Sob essa perspectiva, começamos a assistir com maior clareza uma espécie de segundo round da crise sobre as economias do planeta. Em outras palavras, pode se considerar que a primeira fase foi centrada sobre as dificuldades em torno do sistema financeiro global, onde os bancos centrais ao redor do mundo realizaram esforços para evitar o colapso de instituições financeiras em vários países.

Associado a esse processo, observou-se uma forte retração da liquidez e do crédito em escala global, o que provocou uma piora significativa nas condições de financiamento e de empréstimo.

A economia brasileira também foi afetada nesse processo e a retração da liquidez global gerou efeitos sobre o sistema financeiro brasileiro.

De fato, já era perceptível há algum tempo a piora das condições de crédito na nossa economia e as vendas em alguns setores mais sensíveis às condições de financiamento começaram a declinar nos últimos meses. Não é sem razão que a produção de veículos automotores caiu 18,3% em novembro de 2008 relativamente ao mesmo período do ano anterior.

Esse desempenho contribuiu para que a retração na produção dos bens duráveis fosse de 22,1% nessa mesma comparação.

Na verdade, a rodada dos efeitos da crise sobre a atividade econômica mal começou e foi, de certa forma, atenuada pelas vendas de final de ano, que geraram, principalmente no comércio, uma sensação de relativa normalidade para o período. Os próximos meses deverão ser marcados por uma continuidade da retração da atividade econômica e elevação do desemprego.

O governo brasileiro mostrou-se ciente desse quadro e tem atuado de forma a tentar atenuar os efeitos perversos da crise sobre a economia brasileira. Nesse sentido, várias medidas voltadas à diminuição de impostos foram adotadas.

Ainda assim, e de maneira relativamente inexplicável, o Banco Central (BC) reluta em reduzir a meta da taxa básica de juros, alegando incertezas quanto à trajetória da inflação e sua conformidade com a meta estabelecida.

Sob essa perspectiva, os índices de inflação divulgados recentemente têm surpreendido pela sua variação abaixo da esperada pelos analistas, indicando um cenário de inflação mais benigno.

Adicionalmente, a perspectiva de desaceleração súbita da atividade econômica indica que a trajetória dos preços não apontará para um ambiente inflacionário daqui por diante. Vale lembrar também que a retração da atividade também limita o coeficiente de passagem da depreciação do real frente ao dólar para os preços domésticos, assim como sua velocidade.

Dados esses elementos, cabe indagar em que momento o BC se renderá à realidade dos fatos para iniciar, ainda que de forma tardia, o processo de redução da taxa básica de juros.

kicker: A questão é saber quando o BC se renderá aos fatos e começará a baixar os juros

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) ROGÉRIO MORI* - Professor e coordenador de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da FGV/EESP)