Título: Washington é aqui
Autor: Saraiva, José Flávio Sombra
Fonte: Correio Braziliense, 18/03/2011, Opinião, p. 11

Ph.D. pela Universidade de Birmingham, Inglaterra, é professor titular de relações internacionais da UnB e presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais (Abri)

Um dos centros do mundo se translada para o Brasil no fim da semana. Desembarca o chefe de Estado do mais poderoso poder nuclear, econômico e político do mundo. Seguirão os Estados Unidos, ainda algum tempo, em vantagem em relação ao outro centro, situado na Ásia, particularmente no capítulo estratégico e nuclear.

Viagem quase atrasada ao coração da América do Sul. Mas chega o mandatário ianque em boa hora. Adequada inclusão do Chile e, de volta, a ressaca em El Salvador. A principal mensagem dos Estados Unidos para o sul das Américas será proferida na Cinelândia, no coração do Rio de Janeiro, para grande público, com holofotes voltados para os Andes, o Rio da Prata e a Amazônia. Washington será aqui.

Quais os significados da visita do presidente Obama ao Brasil, já em seu terceiro ano de mandato? Em primeiro lugar, faz um esforço pessoal que concorre com conjuntura complexa dos Estados Unidos. Em meio às discussões congressuais relativas ao orçamento, aos cuidados com a dose do crescimento econômico pós-crise, às tensões políticas do norte da África, às elevações de preço do petróleo e mesmo diante do maremoto mortífero nas ilhas nipônicas, Obama decidiu manter a viagem ao sul das Américas.

É marco para o Brasil o encontro de Dilma com Obama, em Brasília, mesmo sabendo que a América Latina, embora relevante, não o é tanto quanto os temas anteriormente mencionados para a política externa do gigante do Norte. Saibamos apressar nossos interesses, uma vez que eles, também do novo mundo, entendem essa linguagem. E nada de antiamericanismo vulgar, por favor!

O Brasil necessita utilizar a oportunidade para retomar a qualidade histórica das suas relações com os Estados Unidos. Eles sabem o que querem para eles, que nem sempre coincide com o que queremos para nós. Mas já somos adultos e caminhamos com os próprios pés. Há lugar para diálogo altaneiro em torno de temas que nos afligem e que também interessam aos norte-americanos.

Lembremos a Obama que foi ideia dos compatriotas dele, nas conferências após a Segunda Guerra Mundial, a presença do Brasil no diretório onusiano. Projeto abortado pelas desconfianças de Churchill, agora é a vez de uma demonstração mais assertiva na confiança da presença responsável do Brasil na agenda internacional. Obama sabe que, mesmo difícil para alguns de seus parceiros do grupo dos cinco, precisará fazer um gesto gradual de reconhecimento da crescente presença positiva do Brasil no cenário internacional. Isso ele fez em relação à Índia, em sua visita ano passado. O Brasil está no páreo.

Em segundo lugar, lembremos também a Obama que já passamos do romantismo com os chineses. Sabemos que com a China temos interesses comuns em vários aspectos da agenda comercial. Mas que já estamos pagando alto preço pela relação neocolonial que mantemos com a potência oriental.

O padrão comercial com a China traz o Brasil para o mercantilismo dos séculos 16 ao 19. Esse modelo de exportação de commodities, da maneira que está, embora dê dinheiro no médio prazo, não tem futuro estratégico para o Brasil. Retomar os temas tarifários com os Estados Unidos e interesses em investimentos produtivos pode ajudar a superar a esquizofrenia financeira de um país de agiotas como o nosso. Obama conhece essa linguagem. A indústria precisa voltar a ser o centro da economia e as universidades, de um choque de produtividade, como demonstram os dados lamentáveis do balanço recente.

Finalmente, ao lado de Obama o Brasil patriótico pode lembrá-lo que, mesmo com as debilidades de uma democracia incompleta e manchada por elevadas faixas de imoralidade nas práticas políticas, estamos avançando gradualmente para regime moderno de monitoramento dos representantes e governantes. E estamos ao lado dos norte-americanos no campo democrático e não do Irã ou da Líbia. É conquista dos brasileiros, de alguns mais do que outros, convenhamos, como também é lá.