Título: Desemprego ainda é visto como marolinha
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Fonte: Gazeta Mercantil, 16/01/2009, Editoriais, p. A2

16 de Janeiro de 2009 - O presidente Lula disse que a crise financeira é motivo de preocupação, mas não pode ser desculpa para atitudes precipitadas "nem do governo, nem dos empresários". A razão das declarações do presidente foram tanto os novos números sobre o desemprego, inclusive na indústria automobilística, como o fato de a Força Sindical ter suspendido negociações com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A preocupação de Lula tem razão de ser. Anteontem, com a presença de 17 das maiores empresas brasileiras, foi fechada na Fiesp a proposta de redução dos salários e da jornada de trabalho para evitar grandes demissões na indústria, comércio e setor financeiro. A iniciativa imediatamente dividiu o meio sindical. Há uma semana os empresários obtiveram o apoio para essa iniciativa da Força Sindical, com quase cinco milhões de trabalhadores na base, com 612 sindicatos filiados. A reação foi diferente por parte da Central Única dos Trabalhadores (CUT) que rejeitou o acordo afirmando que há "outros meios de negociação e diálogo". A liderança da Fiesp, por sua vez, considera o momento como "atípico" e que ficar contra a redução de salário e de jornada significa "estar a favor do desemprego".

A rigor, a questão toda está mal posta. Há uma semana, quando parcela do sindicalismo concordou com os termos dessa proposta, as demissões não tinham começado. Desde o início desta semana, no entanto, indústrias de vários setores, de papel e celulose a têxtil, do setor químico ao metalúrgico, anunciaram cortes especialmente volumosos. O quadro ganhou dimensão muito preocupante com a decisão de uma grande montadora de demitir funcionários temporários antes do final do contrato. Ato contínuo, os sindicalistas reavaliaram os termos das propostas. O clima de desconfiança se instalou a ponto de Lula garantir ontem que pediu ao ministro da Fazenda que solicitasse à montadora o pagamento dos salários devidos aos trabalhadores até o final do contrato. O presidente assegurou que os empregados demitidos teriam contratos até março.

A reação do presidente é compreensível, mas incompleta. Há um fato inegável: o agravar da crise gerou forte ameça ao emprego. O IBGE divulgou anteontem a Pesquisa Mensal de Emprego referente a novembro, mostrando a queda de 0,6% no emprego da indústria ante o mês de outubro, a maior desde outubro de 2003. O IBGE revelou que o número de horas pagas caiu 1,7% em novembro em relação a outubro, a maior da série histórica iniciada em 2001. Vale notar que a folha de pagamento real, descontada a inflação, recuou 2,7% na mesma comparação. E os primeiros números relativos ao emprego em dezembro também sinalizam quadro preocupante. Os primeiros dados do seguro-desemprego relativos ao último mês de 2008, 513.006 benefícios requeridos, representaram um aumento de 4,6% em relação a dezembro de 2007.

Esse conjunto de dados, no entanto, revela apenas uma parte do problema. A ameaça ao emprego atinge toda a economia, e não apenas o trabalhador que perdeu seu ganha-pão. A proposta de reduzir unilateralmente os salários e a jornada é mal posta por desprezar os aspectos macroeconômicos envolvidos nessa decisão. É uma receita simplista não apenas porque o trabalhador sem emprego não consome, mas porque a simples presença dessa ameaça funciona como demolidor de confiança. A perda de confiança é ameaça mortal ao consumo. Cortar de forma generalizada salário funciona como autêntico tiro no pé. Lideranças empresariais precisam estar conscientes de que não existe economia saudável com redução de consumo, que derruba a geração de renda e a arrecadação tributária junto. Ameaçar o emprego é dar todos os sinais de que a máquina da economia vai emperrar.

A rigor, nem o governo nem os empresários, para repetir a linguagem presidencial, têm o direito de esquecer a premissa de que o emprego é pilar de sustentação de qualquer economia. O presidente prometeu novas medidas na área do crédito para incentivar o consumo "até o final do mês". E reafirmou sua preocupação com o desemprego anunciando que pretende discutir o assunto com as centrais sindicais em "reunião na próxima segunda-feira". O problema está em explicar ao chefe de família que perdeu o emprego ontem a lentidão dessas medidas. A reação do governo frente ao tamanho do drama do desemprego está aquém das necessidades do momento. A demora na intervenção do Planalto acirra ânimos entre empregados e empregadores, já suficientemente tensos pela crise . O governo ainda trata como "marolinha".a chegada dessa crise ao mercado de trabalho. É um grave risco.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)