Título: Essencial não foi protegido nos cortes orçamentários
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/12/2008, Editoriais, p. A2

18 de Dezembro de 2008 - O Orçamento da União, como sinalizou o relatório final de despesas de 2009 da Comissão Mista de Orçamento aprovado anteontem, é uma peça marcada por grave imprudência. Os parlamentares reconhecem que a receita diminuirá, tanto que reduziram, retificando as previsões do Executivo, de 4,5% para 3,5% as estimativas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) para o próximo ano, decisão que reafirma a expectativa de queda na arrecadação tributária. Porém, na outra ponta da peça orçamentária, na dos gastos, os parlamentares usaram uma outra métrica, bem diferente. Em especial, no que diz respeito às despesas que devem pagar as emendas propostas pelos próprios parlamentares.

Na semana passada, o conjunto dessas emendas apontava para uma previsão de gastos de R$ 14 bilhões, valor que acompanhava uma estimativa de receita produto de uma expansão do PIB da ordem de 4% em 2009. A receita recuou ainda mais, porque a estimativa do PIB foi fixada na Comissão Mista anteontem em 3,5%, mas na undécima hora, na hora das efetivas decisões, a expectativa de gastos aumentou. E muito. O relatório de despesas aprovado na Comissão prevê um total de R$ 19,2 bilhões para emendas parlamentares, apesar de todos os alertas de que a receita vai cair com a crise econômica. As chamadas emendas de bancadas receberam R$ 9,2 bilhões, os projetos individuais de deputados e senadores, R$ 5,9 bilhões, enquanto os adendos das comissões temáticas ficaram com R$ 4,1 bilhões.

Para atender ao recuo da receita e à expansão de valor das emendas parlamentares o relatório final de despesas promoveu um corte de R$ 10,2 bilhões nos gastos de custeio, de R$ 1,3 bilhão nos investimentos e de apenas R$ 403 milhões nas despesas de pessoal, um corte referente principalmente à hipótese de novas contratações para o serviço público. Já os recursos de transferências para estados e municípios dos tributos federais também acabaram revistos, impondo-se um corte de R$ 3,4 bilhões.

O perfil desses cortes são reveladores do que pensam os parlamentares sobre o futuro do País. Os cortes realizados no custeio foram bem fortes, atingindo exatamente as áreas que o Palácio do Planalto garantia estarem "blindadas", como as despesas dos ministérios da Educação e da Saúde e até mesmo os programas de bolsas de pesquisa tecnológica do Ministério da Ciência e Tecnologia. Para avaliar a violência desse último corte, basta saber que foi ceifado R$ 1,5 bilhão nas verbas destinadas à pesquisa e desenvolvimento. Ao mesmo tempo, outros ministérios tiveram suas verbas ampliadas, como o exemplo da expansão de gastos de R$ 2,2 bilhões para o Ministério das Cidades, ou de R$ 2 bilhões a mais para despesas na pasta do Turismo, ou de mais R$ 1,3 bilhão para o Ministério da Integração Nacional. Um perfil de corte como este é um óbvio desserviço para o presente e o futuro do País.

A insensatez da peça orçamentária começa na própria previsão de receita. Em novembro, frente à grave crise do crédito e ao recuo das atividades econômicas, várias empresas optaram pela inadimplência tributária até para manter capital de giro. Resultado: como não ocorria desde novembro de 2004, a arrecadação das receitas administrativas (o que exclui as contribuições com a Previdência) caiu. A arrecadação em novembro atingiu R$ 54,7 bilhões, uma queda de 1,85% em relação a novembro de 2007 e de 16,7% ante outubro. O maior impacto negativo na arrecadação foi provocado pelos impostos que incidem sobre a lucratividade das empresas, óbvio sinal de freio na atividade econômica.

De janeiro a outubro, a arrecadação alcançou um aumento real de 9,6% em relação ao mesmo período de 2007. Mas em novembro o quadro tributário sofreu forte reversão de expectativas; por exemplo, o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas foi 28% menor em novembro, quando comparado com o mesmo mês do ano passado. O melhor termômetro da atividade econômica, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que tributa o faturamento das empresas, somou uma queda real (descontada a inflação) de 4,96% em relação a outubro. A queda livre das cotações do petróleo, por sua vez, forçou uma queda bem forte nas projeções de receita de royalties, com grande impacto também na arrecadação da União.

Nenhuma dessas evidências de forte queda de receita preocupou os parlamentares no que diz respeito ao corte de suas próprias emendas. Um corte mais significativo nas despesas da folha de pagamento do funcionalismo sequer foi cogitado, porque os parlamentares deram prioridade à próxima eleição. Nesse quadro, os cortes ficaram mesmo, mais uma vez, na Saúde e na Educação. É uma pena.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)