Título: Barreiras a romper
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 18/03/2011, Especial, p. 4

Especialistas acreditam que a aproximação com os Estados Unidos ajudará o Brasil a avançar no debate sobre as limitações às exportações nacionais, em especial no que tange às commodities agrícolas

PAULO ROCHA Conselheiro sênior da Câmara Brasileira-Americana de Comércio da Flórida, que quer o Brasil de volta ao Sistema Geral de Preferência (SGP), mecanismo pelo qual manufaturados de PAÍSES emergentes têm acesso privilegiado ao maior mercado do mundo

Ainda que não traga resultados concretos e imediatos, a primeira visita ao Brasil do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, representa novo capítulo nas relações comerciais. Os encontros com autoridades e empresários a partir de amanhã são as demonstrações mais claras do ambiente gerado pela conjuntura internacional e pela troca de governo no Brasil.

Porta-vozes da Casa Branca avisam que os EUA querem ser sócios do crescimento da América Latina e deixam transparecer incômodo com o avanço chinês na região. A China se consolidou no ano passado como principal parceiro comercial do Brasil, liderando tanto em exportações quanto em importações.

Na bagagem de Obama, estão acordos de cooperação nas áreas de tecnologia, energia, infraestrutura ¿ incluindo os preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 ¿ e biocombustíveis, além da exploração do petróleo da camada pré-sal.

Para José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a visita de Obama tem todos os aspectos positivos. ¿Os dois lados (EUA e Brasil) finalmente tomaram juízo¿, brinca. Ele lembra que o mercado norte-americano representava 25,44% das exportações e 21,78% das importações brasileiras em 2002. No ano passado, esses percentuais recuaram, respectivamente, para 9,56% e 14,89%. Os números levam preocupações para a balança comercial dos dois países e exigem ¿mudança de comportamento em favor de benefícios mútuos¿.

A primeira década deste século ¿ na qual os EUA enfrentaram a sua maior crise econômica desde os anos 1930 e o Brasil experimentou um de seus mais longos períodos de prosperidade ¿ encerrou em vantagem para os norte-americanos, pelo menos na balança comercial. Na prática, ambos perderam tempo e oportunidade de lucrar juntos.

O superavit de US$ 7,73 bilhões para os EUA no ano passado foi também o maior obtido pelo país entre seus mais importantes parceiros comerciais. A exemplo do que ocorre tradicionalmente, a maior economia do mundo registrou deficits expressivos com China, Japão e Alemanha, entre outros. Desde 2009, o Brasil acumula deficits na balança bilateral com os EUA, abrindo novo período de perdas, após os anos de 1995 a 1999, também influenciados por forte valorização cambial.

Ventos favoráveis Mas esses ventos podem mudar. Castro entende que a decisão de Obama discursar numa praça pública do Rio, falando diretamente aos brasileiros, sinaliza uma ¿política de boa vizinha sem precedentes¿ e ¿um golpe de mestre¿ na busca para recuperar o terreno perdido para a China. ¿A perspectiva de perda da liderança na influência comercial na América Latina já forçou uma reação dos norte-americanos¿, acrescenta. É possível que os encontros do sábado retomem conversas para incluir o Brasil no coro dos descontentes com o câmbio chinês, abertas pela visita do secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, ao Brasil, em fevereiro.

Na avaliação de Júlio Hegedus, economista da corretora Interbolsa, os dois países parecem estar dispostos a retomar o pragmatismo, superando embates ideológicos que contaminaram as relações comerciais nos últimos oito anos. ¿Desde contenciosos levados à Organização Mundial do Comércio (OMC) até a crise política em Honduras, sem falar do impasse nuclear do Irã, tudo serviu para dificultar o diálogo¿, recorda.

Nesse sentido, a visita de Obama serve como abertura de canais fechados durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que se concentrou na cooperação entre os emergentes. Hegedus enxerga ainda uma chance de avançar no debate sobre barreiras às exportações brasileiras, sobretudo de commodities agrícolas.

O momento mais crítico dos embates comerciais entre as duas nações se deu no caso do algodão, tendo o Brasil conquistado em 2010 um histórico processo na OMC contra os subsídios norte-americanos aos seus produtores. Como solução provisória, a Casa Branca aceitou pagar ao Brasil US$ 147 milhões por ano para ajudar a competitividade dos produtores brasileiros. Pelo acordo, foi suspenso o direito de o governo brasileiro retaliar os EUA em US$ 829 milhões, incluindo o estratégico setor de propriedade intelectual.

Imbróglios A vinda de Obama pode resultar apenas em memorandos de entendimento, mas a agenda comercial já deixou de ser só negativa, marcada pelas disputas na Organização Mundial do Comércio (OMC). Os casos do algodão, do suco de laranja e de produtos siderúrgicos ainda não estão resolvidos, apesar de vitórias do Brasil. Exportações de carne bovina, suína e frango têm restrições mesmo, com a McDonald¿s tendo o frigorífico brasileiro Marfrig como um dos seus maiores fornecedores.

"Somos a única das 10 maiores economias a não ter acordo formal com os EUA nas áreas de comércio, investimento e tributos. Até ilhas do Caribe e a Turquia recebem incentivos para exportar" Paulo Rocha,