Título: Reflexões sobre o financiamento da demagogia fiscal ::
Autor: Maciel,Everardo
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/12/2008, Opinião, p. A3

18 de Dezembro de 2008 - Na última semana, foi anunciado um pacote tributário que instituiu alíquotas intermediárias no Imposto de Renda das pessoas físicas e reduziu à metade as alíquotas do IPI e do IOF incidentes, respectivamente, sobre veículos populares e médios e sobre empréstimos.

É evidente que essas medidas são bem-vindas, pois representam um alívio na pressão fiscal sobre os contribuintes. Recomenda-se, entretanto, fazer uma reflexão mais acurada sobre o pacote para que se possa avaliar seu custo fiscal e social.

As modificações introduzidas na legislação elevaram de duas para quatro as alíquotas do Imposto de Renda das pessoas físicas. Essa reestruturação parece conformar-se com uma maior progressividade do Imposto de Renda, conforme preconiza a Constituição. Lá, todavia, remete-se a aplicação desse instituto à forma e aos limites fixados na lei ordinária.

No final dos anos 1980, houve no Brasil uma notável redução do número de alíquotas. Posteriormente, a reforma de 1995 simplificou ainda mais o Imposto de Renda das pessoas físicas. O processo de simplificação acompanhou tendência universal. De fato, nas últimas décadas, não há registro de que algum país tenha aumentado o número de alíquotas; ao contrário, muitos procederam a sua redução. Na Europa Oriental, a maioria dos países adotou uma postura mais radical, ao acolher a tese da alíquota única, sem deduções ou abatimentos. É o chamado "flat tax". Antes, a Irlanda e a Nova Zelândia já haviam aventado a hipótese da alíquota única.

Essa tendência se explica basicamente por duas razões: aumentar o número de alíquotas não quer dizer ampliar a progressividade, pois ela pode ser atingida simplesmente pela gradação do mínimo isento; muitas alíquotas resultam freqüentemente em elevação dos custos para administrar e pagar impostos, em desacordo com a demanda dos contribuintes em favor de uma maior simplificação. Portanto, se havia o propósito de reduzir o Imposto de Renda das pessoas físicas, bastava elevar o limite de isenção. Mais simples e mais eficiente.

Constitui forte exagero presumir que esse benefício fiscal, a despeito de anunciado com pompa e circunstância, possa ter algum impacto significativo no consumo. À luz de números divulgados pelas autoridades fazendárias, a redução máxima do imposto mensal devido seria de R$ 89. Definitivamente, não se trata de uma importância que exija aconselhamento de analista financeiro para investimento ou consumo.

A redução do IPI pode ter um impacto temporário nas vendas de automóvel. Não servirá, entretanto, como balizador para a produção futura, visto que o benefício tem término programado para março de 2009. Aliás, o que recentemente se viu em termos de crescimento exuberante no comércio de automóveis está claramente associado à temerária ousadia dos financiamentos combinada com aumento de renda dos consumidores e não a modificações nas alíquotas dos tributos. De mais a mais, convém lembrar que o desordenado crescimento da frota de veículos privados já compromete dramaticamente o trânsito nas principais cidades brasileiras.

A extinção da CPMF motivou um aumento compensatório nas alíquotas do IOF. O que se faz agora é eliminar-se parcialmente essa compensação. Desnecessário discorrer sobre as elevadas taxas de juros que repercutem severamente sobre os custos dos financiamentos bancários.

Resta saber quem paga a conta da renúncia fiscal do IR, IPI e IOF, cujo valor total alcança um montante de R$ 8,4 bilhões. Os tributos federais estão sujeitos a regras constitucionais que fixam transferências para estados e municípios e vinculações setoriais como educação e seguridade social: 43% da arrecadação do IR e 57% do IPI são destinados àquelas entidades federativas e a programas de desenvolvimento regional; 18% da arrecadação federal de impostos e 25% da arrecadação estadual e municipal de impostos mais as transferências intrafederativas são aplicados obrigatoriamente em programas educacionais.

No caso específico, R$ 2,8 bilhões - um terço da renúncia fiscal -- serão custeados pelos estados e municípios, justamente em um momento crítico para sua arrecadação, em virtude da crise econômica internacional. Já os programas educacionais federais, estaduais e municipais sofrerão uma perda de R$ 1,7 bilhão.

Não se pode dizer que os estados e municípios, como gênero, possam ser apontados como exemplos de boa governança; tampouco que a educação pública brasileira conseguiu reconhecimento internacional de qualidade. Porém, em ambos os casos, não será pelo contingenciamento de recursos que iremos lograr melhoria nas políticas públicas, principalmente quando parece tratar-se de um caso patente de demagogia fiscal.

kicker: Os estados, os municípios e a educação são prejudicados por renúncias fiscais

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) EVERARDO MACIEL* - Consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal. Próximo artigo do autor em 8 de janeiro)