Título: Uma perigosa confissão sobre a carga tributária
Autor:
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/12/2008, Editoriais, p. A2
16 de Dezembro de 2008 - A Secretaria da Receita Federal (SRF) comunicou que no ano passado a carga tributária correspondeu a 34,79% do PIB. É bem maior do que a registrada no ano anterior, 2006, quando alcançou 33,51% do produto nacional. No ano passado, apenas a União arrecadou em tributos e contribuições o correspondente a 24,8% do PIB, uma escalada respeitável em relação aos 23,6% recolhidos em 2006. Em outras palavras, apenas o governo federal fica com um quarto da produção de todos os brasileiros, ou um dia em cada quatro de trabalho no País. Já os estados arrecadaram 9% do PIB tanto em 2006 como no ano seguinte, enquanto os municípios aumentaram pouco, de 1,5% do produto para 1,6%, entre 2006 e 2007. Porém, na distribuição do bolo tributário, a União ficou com 70%, os estados com 25,6% e a instância municipal com 4,4%.
Os números absolutos, no entanto, são mais eficientes do que a porcentagem do PIB, para que se avalie bem de que "volume de recursos" se está falando. No ano passado, a riqueza produzida no Brasil, total de R$ 2,597 trilhões, R$ 903 bilhões acabaram recolhidos pelos cofres públicos. Em 2006, a receita do setor público fora bem menor: R$ 794 bilhões. A pergunta essencial é óbvia: o que foi feito dessa impressionante massa de recursos?
Esse é o aspecto mais dramático das contas públicas brasileiras: o resultado final do imposto pago. Nesse aspecto, aliás, não é preciso dar voz à oposição para o despertar de uma acentuada crítica. O secretário-adjunto da SRB , Otacílio Cartaxo, depois de defender que a carga tributária brasileira é "média" quando comparada à dos demais países, reconheceu que os gastos públicos devem melhorar porque "o Brasil não está em condições de devolver em serviços o que se paga em impostos". E, depois, admitiu que é preciso "qualificar o gasto público" antes da conclusão inesperada:de que "o dinheiro (público) está sendo mal aplicado em várias áreas". Observe-se que não se trata de declaração de algum prócer oposicionista. A rigor, é uma perigosa confissão de quem assumiu alta funções, características de um dos mais poderosos e importantes cargos da República.
Por outro lado, é obrigatório reconhecer que o secretário-adjunto da Receita tem toda razão. Primeiro, o governo mantém especialmente aceleradas as duas pontas das contas públicas: arrecada muito e gasta mais ainda. Segundo, gasta mal, muito mal, como também reconheceu Cartaxo. Um bom exemplo desse fato está no contínuo crescimento dos gastos de custeio e nas eternas dificuldades das despesas públicas em investimentos. Vale lembrar que, nos primeiros dez meses deste ano, o governo gastou R$ 160 bilhões em Previdência Social, R$ 102 bilhões com a folha de pagamento do setor público, R$ 106 bilhões com programas sociais e modestos R$ 19,8 bilhões com obras públicas. Nesse último item estão incluídos os gastos efetivos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Sem esquecer que, segundo os números da Casa Civil, entre janeiro e agosto, só 45,6% dos desembolsos previstos para o PAC foram feitos e esse total contém os "restos a pagar", ou seja, as contas que não foram pagas do programa de 2007. Já no campo dos gastos de custeio, o quadro é bem diferente. Basta lembrar que apenas em 2008 serão gastos R$22,8 bilhões a mais do que no ano passado com o crescimento da folha de pagamento, devido aos reajustes concedidos aos servidores e às reestruturações de inúmeras carreiras do funcionalismo. É verdade que a arrecadação também avançou: neste ano a SRF prevê nova expansão da arrecadação, de 1,2% do PIB, só no que se refere aos impostos federais.
Apesar de toda essa eficiência arrecadatória, o governo atrasa a prestação de contas sobre a carga tributária paga pelos contribuintes. A Receita Federal informou que os números referentes ao aumento da carga foram divulgados com cerca de seis meses de atraso porque foi necessário ajustar o cálculo à nova metodologia utilizada nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as 30 economias mais industrializadas. Ora, um acordo com entidade internacional desse perfil não é assinado de uma hora para outra, e a Receita Federal teve o tempo necessário para as adaptações e para que o País não tomasse conhecimento com tanto atraso que a carga tributário subiu tanto de um ano para outro. Aliás, ainda mais grave é saber que os impostos sobem sem parar desde 2003, quando a carga alcançou 31,37% do PIB, até atingir os 34,79% de 2007. Em especial quando se toma conhecimento de que até o secretário-adjunto da Receita também acha que o governo gasta mal o recurso público.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)