Título: Os negócios de cada um
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 18/03/2011, Especial, p. 2

Brasil tenta ser reconhecido como "adulto" para integrar a elite da ONU. EUA buscam oportunidades para exportar e gerar empregos

A consolidação de uma relação ¿de igual para igual¿. É isso que o Brasil quer do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em sua primeira viagem ao país e à América do Sul. O visitante, no entanto, tem objetivos mais práticos e urgentes: ele procura no Brasil soluções para ajudar a recuperar a ainda enfraquecida economia dos Estados Unidos, além de garantir saídas para o problema energético. As duas demandas não chegam a ser conflitantes, mas mostram as realidades distintas de um país que cresceu ¿ e quer o reconhecimento disso ¿ e de outro que tenta voltar a ser o que era antes de ser varrido por uma grave recessão. Talvez por isso tenha sido tão trabalhoso fechar uma agenda que atendesse aos interesses de ambas as partes e tivesse um peso mais do que simbólico.

Nos últimos dias, versões de acordos e memorandos circularam entre a Embaixada Americana, o Itamaraty e outros ministérios, para garantir que o maior número de textos estivesse pronto até a chegada de Obama. Até ontem, muitos dos documentos que integrariam o pacote não foram finalizados. Entre os confirmados estavam o acordo de Cooperação Econômica e Comercial (Teca, na sigla em inglês), que cria um mecanismo de discussão de barreiras não tarifárias no comércio bilateral, e o de parceria para megaeventos esportivos, visando à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.

Pelas impressões passadas pela Casa Branca três dias antes da visita, os dois textos abordam as necessidades mais imediatas dos EUA: crescimento da economia e geração de empregos. ¿Como anfitrião (dos dois eventos), o Brasil deverá investir mais de US$ 200 bilhões em infraestrutura. Podemos ser um grande parceiro em termos de prestação de serviços e exportações relacionadas a essa área¿, disse o vice-conselheiro para assuntos econômicos internacionais, Mike Froman. Foi ele que também revelou o desejo de aumentar as exportações para o Brasil ¿ responsáveis por cerca de 250 mil empregos nos EUA ¿, o que seria facilitado pelo Teca. ¿Essa visita é fundamentalmente sobre a recuperação econômica e as exportações¿, disse.

A meta contrasta com o anseio brasileiro de equilibrar a balança comercial, que hoje registra superavit de quase US$ 8 bilhões para os americanos. Segundo o chanceler Antonio Patriota, esse será um dos temas a serem tratados por Obama e pela presidente Dilma Rousseff, na manhã de sábado, no Palácio do Planalto. ¿O Brasil defenderá seus interesses específicos, que incluem a questão da competitividade industrial, e temos que levar em conta a situação do câmbio e situações de barreiras específicas, que representam obstáculos à exportação brasileira¿, afirmou Patriota.

Em teleconferência com jornalistas brasileiros, o secretário de Estado adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela, tentou acalmar os ânimos. ¿Queremos que essa seja uma relação `win-win¿ (em que ambos os lados ganham)¿, declarou, destacando ainda que uma das metas de seu país é garantir a segurança energética, com acesso a fontes diversificadas. ¿Precisamos de energia limpa, e essa vai ser uma importante parte da agenda com o Brasil¿, assegurou.

Os dois países já têm um memorando de entendimento para cooperação em biocombustíveis, mas ela esbarra nas barreiras tarifárias ao etanol brasileiro e nos subsídios de Washington aos produtores americanos. Há, ainda, um enorme interesse dos EUA no petróleo do pré-sal. Mas, segundo o Itamaraty, não entrará na pauta nenhum acordo específico sobre compra ou exploração de petróleo.

Entre iguais As maiores expectativas do governo Dilma se concentram na postura que os EUA terão, daqui para a frente, em relação ao país. ¿O Brasil quer uma relação de igual para igual, e as circunstâncias no mundo de hoje favorecem muito isso¿, disse Patriota. ¿O Brasil se consolidou como democracia, como economia, reduzindo a pobreza, oferecendo oportunidades, desenvolvendo uma matriz energética limpa, que contrasta com a do mundo desenvolvido¿, acrescentou o ministro. Além disso, sempre houve expectativa de que Obama repetisse por aqui o que fez na Índia, ao apoiar a inclusão do país como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Entretanto, os sinais que vêm de Washington já começaram a esfriar as pretensões no Itamaraty. A abordagem vaga do tema pelos assessores de Obama e a ausência de qualquer menção direta à ampliação do conselho no comunicado conjunto a ser divulgado levaram a chancelaria brasileira a também relativizar a importância de uma declaração. ¿Uma manifestação dos EUA não vai, por si só, afetar dramaticamente o curso dos acontecimentos. É uma manifestação de confiança, de respeito pela política externa do país, pela sua capacidade de contribuir para a paz e a segurança internacional, mas não é, em si mesma, uma panaceia¿, afirmou Patriota.