Título: Ajustes para enfrentar a crise limitam agravamento do déficit
Autor: Saito,Ana Carolina
Fonte: Gazeta Mercantil, 02/01/2009, Brasil, p. A4

São Paulo, 2 de Janeiro de 2009 - A crise financeira internacional impedirá o aprofundamento do déficit transações correntes em 2009. O Brasil deve encerrar 2008 com um rombo nas contas externas, o primeiro desde 2002, entre US$ 25 bilhões e US$ 30 bilhões, perto de 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Para o ano que se inicia, analistas prevêem um empate ou até queda do déficit, para cerca de US$ 25 bilhões, em relação ao ano passado.

No entanto, o ajuste que deve resultar de uma desaceleração das remessas de lucros e dividendos e gastos menores de turistas brasileiros no exterior não afasta a preocupação de desequilíbrios nas contas externas. "É fato que hoje nós temos reservas, mas não podemos ficar em um cenário de déficits externos seguidos. Isso pode jogar o País lá para trás, quando não tínhamos dinheiro para fechar as contas", afirma Nelson Carneiro, da Austin Rating.

Para o economista da agência de risco, o Brasil mostrou em 2008, com a piora das contas externas, que não está estruturalmente preparado para crescer sem ter déficits. "Isso mata a teoria de que o crescimento do País é sustentável. Se tivesse crescido 5% ao ano durante muito tempo, abortaria o crescimento. Deveríamos ser totalmente avessos ao déficit em conta corrente", afirma. Carneiro diz que a saída é o País ampliar as suas exportações e substituir a importações de alguns produtos.

Mesmo com a queda da demanda mundial, avalia, o Brasil, teoricamente, não teria desculpas para aumentar as vendas externas, já que conta com uma fatia muito pequena do comércio internacional. "As empresas grandes são as que vão sofrer mais com a crise. As pequenas que tiverem liquidez podem roubar mercado dos outros. É o mesmo caso do Brasil no comércio internacional", argumenta.

Em condições normais, Sergio Vale, da MB Associados, não vê grandes problemas em um déficit de 2% do PIB. A situação fica mais complicada, entretanto, em um cenário de menor liquidez mundial. Com uma entrada menor de recursos de investimentos estrangeiros e de capital de curto prazo, aumenta a dificuldade de financiamento do déficit de cerca de US$ 30 bilhões, projetado pela consultoria para 2008 e 2009. "É uma potencial pressão para a taxa de câmbio que não existia. Antes da crise, tínhamos uma liquidez fenomenal no mundo, que conseguia financiar esse déficit, apesar de a longo prazo achar que isso poderia trazer problemas. A crise trouxe para mais perto um problema que aconteceria mais para frente, que é a dificuldade de financiamento."

Segundo Vale, se a economia brasileira se mantivesse no mesmo ritmo antes do agravamento da crise, em outubro, o rombo em conta corrente facilmente superaria os US$ 40 bilhões em 2009. "O ajuste já está sendo feito e por isso teremos um número parecido neste ano", diz.

Para o economista, no longo prazo, a tendência é de melhora nas contas externas, passado o ajuste da crise. "Ao mesmo tempo em que a conta de capital deve melhorar, o investimento direto tende a crescer e o capital de curto prazo se recuperar. No curto prazo, a situação é mais complicada devido a questão do financiamento. No longo, o ajuste está sendo feito agora", afirma.

André Sacconato, da Tendências Consultoria Integrada, acrescenta que a entrada de investimento direto estrangeiro (IED) no País estimada em US$ 38,5 bilhões em 2008 não deve se repetir em 2009. Segundo ele, a contratação de novos investimentos deve diminuir, mas haverá um carregamento "razoável" que garantirá cerca de US$ 25 bilhões no próximo ano. Para o economista, o Brasil será uma das melhores opções de investimentos no cenário pós-crise, por reunir fundamentos macroeconômicos relativamente estáveis e potencial crescimento.

Superávit menor

Sacconato aposta em um superávit um pouco menor para o ano, de US$ 21,8 bilhões. "Embora a corrente de comércio caia, as importações talvez sofram tanto como as exportações", comenta o economista.

Já a projeção da MB Associados é de uma queda de US$ 24 bilhões para US$ 13 bilhões no ano, mas essa desaceleração deve ser compensada em parte por uma conta de serviços e renda menos negativa em 2009. "Quando falamos em lucro e dividendos, turismo e transportes, essas duas contas vão ficar menos negativas", acrescenta.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 4)(Ana Carolina Saito)