Título: Algumas semelhanças e trajetórias opostas
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 19/03/2011, Política, p. 3

O primeiro presidente afrodescendente dos Estados Unidos subirá às 10h de hoje a rampa do Planalto para ser recebido pela primeira chefe de Estado brasileira. Além da inédita chancela do cargo, Barack Obama e Dilma Rousseff são frutos de uma mesma geração e produtos de uma miscigenação de culturas ¿ o pai dele era queniano; o dela, búlgaro. Enquanto ela segue a cartilha esquerdista, ele não se encaixa no perfil da direita ultraconservadora. As semelhanças param aí. Obama mergulhou na vida política há 15 anos e fez uma carreira meteórica até chegar ao cargo mais importante do planeta (veja ao lado). Em pouco mais de três anos, construiu capital político no Senado dos EUA. Dilma jamais ocupou cargo no Legislativo e, de secretária de Minas, Energia e Comunicações do Rio Grande do Sul, ascendeu aos postos de ministra de Minas Energia e chefe da Casa Civil, até ser escolhida pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva como sucessora. Na década de 1960, atuou na clandestinidade, lutando contra a ditadura.

No 77º dia de governo Dilma, é cedo para mensurar o prestígio da brasileira, resguardado pelo bom momento financeiro do país. ¿O desafio de Obama é a economia. Se ela não melhorar, ele corre o risco de não ser reeleito¿, afirma o brasilianista James N. Green, discípulo de Thomas Skidmore e professor de história do Brasil e da América Latina na Brown University (em Rhode Island). ¿A economia brasileira está forte e saudável e, por isso, Dilma tem mais margem política¿, acrescenta. Obama ocupa o Salão Oval da Casa Branca há 806 dias. No primeiro semestre de governo, lutou para contornar a recessão e, em 2010, sancionou a polêmica legislação sobre a reforma da saúde. A forte oposição no Capitólio também levou-o a sofrer perda substancial de popularidade.

Dilma não tem o mesmo carisma que Obama. Essa era, inclusive, uma das principais críticas de integrantes de partidos aliados ao PT. Durante o processo sucessório de Lula, a base governista argumentava que nem a extrema popularidade do então presidente seria capaz de eleger ¿um poste¿, termo utilizado para ilustrar a ¿simpatia¿ da pré-candidata. O ex-presidente foi irredutível e, em junho do ano passado, a candidatura foi oficializada.

Dilma sempre foi elogiada por ser uma profissional de perfil técnico, disciplinada e perfeccionista. Tais características, na avaliação de políticos experientes, se encaixam em ministérios e empresas estatais. No entanto, a dúvida era se ela teria a combinação do jogo de cintura com a mão de ferro para administrar as questões políticas, especialmente depois da aliança entre PT e PMDB. Os peemedebistas têm fama de serem vorazes na partilha por cargos ¿ e quiseram mostrar esse apetite no início do governo, quando ameaçaram montar um blocão na Câmara. Não funcionou.

Quase três meses depois de assumir o Planalto, a presidente mantém a situação sob controle. A maior prova foi dada em fevereiro, no primeiro grande desafio. O Congresso aprovou, por ampla maioria, a proposta de reajuste do salário mínimo enviada pelo governo. Detalhe: na Câmara, todos os deputados do PMDB votaram com o governo. Obama, por sua vez, sofreu um duro golpe político nas eleições parlamentares de 4 de novembro passado. Viu o fim da maioria democrata no Senado e no Congresso e precisou de tato para lidar com a oposição republicana.

Dilma também mostrou força nas primeiras crises envolvendo ministros. Depois de denúncias de corrupção no Ministério dos Esportes, convocou o titular da pasta, Orlando Silva, para exigir explicações. Quando o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT, foi cobrado por causa da falta de unidade do partido, ela minimizou especulações de que ele deixaria o cargo. ¿O ministro Lupi é da minha inteira confiança.¿

Até a oposição, que costumava fazer discursos raivosos contra Lula no Congresso, tem mostrado tranquilidade. O líder do DEM na Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto, que já chegou a dizer que ¿daria uma surra em Lula¿, elogiou a postura da presidente. De acordo com ele, ela tem atitude mais compatível com a liturgia do cargo.

Incerteza ¿A situação de Obama é incerta. Ele não recuperou a popularidade e o prestígio perdidos nos últimos anos. Ainda assim, parece óbvio que os republicanos não são fortes oponentes e que ele vencerá em 2012¿, comenta Alex Keyssar, professor de história e política social da Universidade de Harvard. Para o especialista, a promessa de mudança ¿ um jargão da campanha de 2008 ¿ ficou na retórica. ¿Ele está governando de modo convencional¿, afirma.

Green acredita que Dilma buscará um entendimento com Obama. ¿Eles podem convergir na política contra o regime autoritário do Irã, por exemplo. O governo dos EUA tem prestado pouca atenção à América Latina. Essa visita é a chance de consolidar uma relação com setores mais moderados da esquerda e outros mais conservadores para frear Venezuela, Nicarágua e Bolívia¿, diz. ¿Os norte-americanos têm que mostrar mais respeito ao Brasil e à América Latina. Por sua vez, se o Brasil quer se posicionar como líder internacional, precisa ser um ator global audaz, oferecendo visões diferenciadas sobre como favorecer regimes democráticos e progressivos¿, acrescenta, numa clara alusão ao Irã.