Título: Crise dá tom ao início dos mandatos nas prefeituras
Autor: Lavoratti,Liliana
Fonte: Gazeta Mercantil, 02/01/2009, Brasil, p. A6
São Paulo, 2 de Janeiro de 2009 - Os novos prefeitos e os reeleitos em outubro, que assumiram ontem a função de governar 5.563 municípios em todo o País, iniciam o mandato em uma conjuntura macroeconômica marcada pela mais forte crise internacional de toda a história depois da industrialização. Menor ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) provocado pela recessão da economia mundial significa menos recursos nos cofres das prefeituras e, portanto, o máximo de precaução deve nortear os primeiros meses das administrações 2009-2012, principalmente evitando novas despesas para cumprir promessas de campanha e compromissos com coligações partidárias.
"Enquanto o cenário econômico não ficar mais claro, e isso deverá levar ainda algum tempo para acontecer, os interesses políticos não devem se sobrepor à realidade das finanças municipais", afirma o coordenador do Observatório de Informações Municipais da ONG Transparência Municipal, economista François Bremaeker. Uma coisa já é líquida e certa: mesmo com a perspectiva de menos receitas nos cofres, a partir de primeiro de fevereiro as despesas de pessoal vão subir em torno de 12%, por causa do reajuste do salário mínimo já indicado pelo governo federal. Como esse aumento corrige automaticamente o valor das aposentadorias e pensões da Previdência Social, a lei do Orçamento Geral da União de 2009 prevê recursos para arcar com as despesas com um piso salarial de até R$ 465,00.
Um detalhe relevante neste contexto é que o reajuste do salário mínimo não repercute apenas nos gastos de pessoal das prefeituras, mas atinge também a conta de serviços prestados por terceiros - empresas e pessoas físicas. Portanto, tudo o que envolver obras, mão-de-obra e serviços de terceiros acabará sendo corrigido a partir do próximo mês. Esse conjunto de despesas representa em média 80% das despesas dos governos municipais. Ou seja, apenas cerca de 20% do total de gastos das prefeituras - material de consumo, equipamentos, investimentos - não serão majorados apenas trinta dias depois do início do novo mandato.
O momento, observa Bremaeker, requer dos administradores responsáveis a suspensão temporária (contingenciamento) ou o corte definitivo de parte das despesas previstas nas leis orçamentárias propostas pelas gestões encerradas anteontem antes da crise - com base em uma expectativa de arrecadação mais favorável que a atual - e aprovadas nas câmaras de vereadores sem grandes alterações, na maioria das cidades. Segundo o analista, o mais adequado na situação atual é postergar as medidas decorrentes das alianças políticas que viabilizaram a eleição ou recondução aos Executivos municipais, como a criação de cargos em comissão, muito comum na prática governamental do Brasil.
Engenharia tributária
Embora os cenários variem conforme o tamanho dos municípios e a situação das finanças de cada prefeitura, o aperto do início de mandato poderá ser aliviado dentro de alguns meses pela engenharia tributária em curso para amenizar os efeitos da recessão econômica nas receitas governamentais - não só municipais, mas também estaduais e federais. Na avaliação da Transparência Municipal, ao final deste ano, o comportamento das receitas municipais em relação a 2008 poderá ficar no mesmo nível de 2007 para 2008, quando registraram um incremento de 17%.
Isso porque o conjunto de medidas adotadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela maioria dos governadores para estimular a atividade econômica ou aumentar a arrecadação, indiretamente ajudará a enfrentar a crise. Entre as iniciativas do Palácio do Planalto implementadas logo após o despontar da crise, em agosto, estão o corte de alguns tributos federais para alguns setores econômicos e ênfase na fiscalização para combater a sonegação.
Por parte dos governadores, as medidas foram diversas: enquanto alguns enviaram às assembléias legislativas pacotes de aumento do principal tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) - caso do Paraná, por exemplo -, outros reduziram as alíquotas para conter a queda da atividade econômica em alguns segmentos mais vulneráveis à recessão mundial, como as empresas exportadoras.
Bremaeker explica que o contorno da crise nas receitas federais e estaduais acabará se refletindo positivamente nos recursos municipais por causa do elevado grau de dependência das prefeituras em relação às transferências de recursos da União e dos estados. Nada menos que 67% das receitas disponíveis para as prefeituras são oriundas dessas transferências - sendo a principal delas o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), formado com o Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cobrados pela União.
Alguns dados evidenciam essa realidade: 81% dos 5.563 municípios dependem da principal fonte de receitas municipais, o FPM; no conjunto dos governos locais, a receita tributária própria - os principais tributos cobrados pelas prefeituras são o Imposto sobre Serviços (ISS) e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) - representa apenas 17% dos recursos disponíveis. Esse peso sobe somente nas cidades maiores (acima de 200 mil habitantes, que equivalem apenas a 2% do total das prefeituras).
Expressivo também é o fato de que, dos R$ 37 bilhões arrecadados pelos governos locais em 2007, R$ 25 bilhões terem sido recolhidos no Sudeste do País e R$ 12 bilhões apenas em São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), as duas principais capitais brasileiras. "Essa forte concentração da receita tributária mostra exatamente o fato desses impostos serem extremamente urbanos e serem gerados nos municípios com maior número de empresas com elevada capacidade de recolher tributos e também com alta densidade demográfica", comenta Bremaeker. Ele lembra que os dois principais tributos municipais, o IPTU e o ISS, incidem exatamente sobre o meio urbano, sendo mais expressivos nas grandes e médias cidades.
Além do FPM e dos 25% do ICMS que são transferidos aos municípios, as prefeituras recebem royalties pela exploração de minérios, Imposto Territorial Rural (ITR) e parte do IOF ouro (Imposto sobre Operações Financeiras).
Medidas preventivas
Ainda de acordo com a Transparência Municipal - ONG que se dedica a disseminar uma série de instrumentos facilitadores da organização da gestão municipal -, já em outubro algumas providências adotadas nos âmbitos federal e estadual deverão surtir efeito nas transferências constitucionais feitas aos cofres das prefeituras. Da mesma forma, o décimo-terceiro salário que circulou na economia em dezembro fará alguma diferença no recolhimento de tributos.
"Se por um lado, os 81% dos municípios que dependem diretamente do FPM para sobreviver sentirão qualquer baque na arrecadação federal, por outro certamente vão sair ganhando com o fato de a União ter de garantir sua arrecadação", analisa Bremaeker. A maior fiscalização no Imposto de Renda, anunciada pelo governo Lula logo após o surgimento da crise, está entre as iniciativas que vão ajudar a minguar menos as verbas do FPM principalmente para as pequenas prefeituras.
Já os médios e grandes, segundo o analista, terão de contar com o comportamento dos consumidores, pois do movimento da economia depende a arrecadação do ICMS. "Se houver uma queda muito relevante nos recursos tributários, o governo federal tem grande potencial de injetar recursos na economia, como já vem fazendo, por meio de investimentos públicos, ampliando empregos e renda", argumenta o coordenador da Transparência Municipal. Reiteradas vezes, o presidente Lula tem dito que as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não sofrerão atraso por causa da conjuntura desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB).
Além disso, o governo federal prepara um novo pacote de ajuda à economia, com lançamento previsto para acontecer até o próximo dia 20. Apesar de considerar que o País esteja preparado para enfrentar a crise - com um bom nível de reservas estrangeiras e uma economia interna fortalecida -, o Palácio do Planalto está preocupado com a previsão, feita pelo próprio Banco Central, de que o PIB brasileiro crescerá somente 3,2% em 2009. Dessa vez, a arma contra os efeitos no Brasil da retração do mercado mundial será a liberação de recursos dos depósitos compulsórios para facilitar a vida do setor exportador.
"De modo geral, o governo brasileiro tem sido otimista, procurando minimizar os prejuízos desse quadro internacional menos favorável que nos anos anteriores", ressalta Bremaeker. Ele acredita que existam razões para essa atitude, pois o governo está acostumado a fazer economia e a contingenciar recursos através das metas para o superávit primário e da Desvinculação de Receitas da União (DRU). "Esses mecanismos de execução orçamentária em tempos difíceis já criaram um certo hábito e ter de apertar um pouco mais o cinto não é inusitado para os brasileiros. Esse pode ser um ponto forte para o Brasil num momento como esse", finaliza o economista.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Liliana Lavoratti)