Título: Comemoração antecipada
Autor: Miguel Ignatios
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/09/2004, Opinião, p. A-3

Otimismo lembra o de 1986, na época do Plano Cruzado. Feito o balanço preliminar dos indicadores macroeconômicos e sociais, registrados no quadrimestre de maio a agosto, a euforia tomou conta do governo. Alguns ministros começaram a comemorar, antevendo o impacto positivo sobre o ânimo do eleitor, às vésperas do primeiro turno das eleições. O otimismo chegou a lembrar o de 1986, na época do Plano Cruzado, quando o PMDB elegeu mais de vinte governadores.

A antevisão do espetáculo do crescimento pode mostrar-se ilusória como os fogos de artifício com que se costuma saudar a passagem de um ano para outro.

A beleza pirotécnica dá a falsa impressão de que, de repente, todos os sonhos podem de fato realizar-se, da noite para o dia, como num passe de mágica. Infelizmente, a realidade costuma ser bem diferente.

O curioso é que toda vez que se projeta algum crescimento do PIB superior a 3%, como é o caso agora, após a "safra" de bons indicadores, imediatamente surgem as advertências. É preciso cuidado com a inflação, os juros vão voltar a subir, insumos industriais básicos, como aço, alumínio, papel e papelão, dentre outros, começam a faltar. É sempre a mesma cantilena.

O governo teme perder o controle da economia, caso o consumo aumente acima do previsto. Mas por que isso acontece? É que a industria brasileira cresceu muito pouco desde 1979, abaixo do aumento da população. Como renda e emprego expandiram-se menos ainda que a indústria, as coisas se equilibram, num círculo vicioso.

Para se ter idéia mais clara disso, basta lembrar que apenas quatro meses (de maio a agosto) de boas vendas industriais foram suficientes para o setor alcançar o índice médio de 83% de uso de sua capacidade instalada. É fácil imaginar o que aconteceria em 12 meses de expansão contínua.

Mas isso não é tudo. Além dos juros altos, do petróleo caro e de vários insumos industriais já terem subido mais de 40% só neste ano, faltam recursos para bancar o crescimento sustentado.

Um exemplo: o orçamento para 2005, enviado ao Congresso, prevê investimento, em números redondos, de apenas R$ 15 bilhões.

Só para dar início às obras de modernização da infra-estrutura, necessárias para escoar os US$ 100 bilhões em exportações, previstos para 2005, teriam de ser investidos, no mínimo, quatro vezes mais, ou seja, R$ 60 bilhões ao ano durante quatro ou cinco anos seguidos.

Para atrair esses recursos, o governo terá de modificar substancialmente suas propostas para as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e as agências reguladoras (de petróleo, energia elétrica e telecomunicações), que fortalecem o Estado em detrimento da sociedade.

Mas há também boas notícias reais. A começar pela dupla vitória, embora ainda parcial, obtida pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra subsídios concedidos aos produtores americanos de algodão e europeus de açúcar.

Além disso, os saldos comerciais deste e do próximo ano permitirão relativa tranqüilidade nas contas externas do País. E, o mais importante de tudo, o agronegócio tem fôlego suficiente para garantir crescimento moderado do PIB (em torno de 3% ao ano) pelo menos até o final da década.

kicker: O governo teme perder o controle da economia, caso o consumo aumente acima do previsto