Título: A educação sem fronteiras está chegando
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Fonte: Gazeta Mercantil, 19/01/2009, Opinião, p. A3

19 de Janeiro de 2009 - Um mundo sem fronteiras para a educação? Quais os desafios, quais as consequências para os países, para as instituições, para os jovens? A princípio, elas parecem ser positivas, mas é preciso qualificar o contexto.

Este é um tema que tem preocupado não só educadores e instituições de ensino, mas também as instituições governamentais. Em um número recente da revista The Economist é discutido como as universidades americanas, européias e australianas estão revendo suas estratégias para o futuro próximo, lançando-se aos mercados emergentes, em busca de estudantes, de aquisições de universidades locais, ou joint ventures. O título do boxe naquela matéria é sugestivo: "Os americanos estão chegando". Apesar de serem os Estados Unidos o país que mais recebe estudantes estrangeiros (seguidos pelo Reino Unido, Canadá, França, Alemanha), em termos absolutos, estes representam apenas 3% do total dos estudantes.

O contexto em que se desenrola este debate envolve desde a liberação do comércio de ensino superior pelo antigo Acordo Geral de

Tarifas e Comércio (Gatt), ao surgimento de novos provedores de ensino superior neste ambiente de educação transnacional.

O Gatt, resultante da rodada do Uruguai, gerou a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995. O Gatt foi inspirado pelos mesmos objetivos da busca de liberação de mercadorias, criando um sistema de regras de comércio internacional destinado a assegurar tratamento justo aos participantes e estímulo à atividade econômica. Apesar de os compromissos com o GATT não afetarem a competência do país para realizar os objetivos de suas políticas e planos, gera muita discussão sobre seus impactos.

Segundo informações do Banco Central (BC), a conta de viagens no Brasil para fins educacionais fechou, em 2007, com receita (exportação) de US$ 11 milhões e despesa (importação) de US$ 107 milhões, ou seja, um saldo negativo de US$ 95 milhões . Este déficit em 1999 era de US$ 35 milhões. Se, do lado dos estudantes brasileiros, isto é positivo, pois estão vivenciando experiências internacionais que contribuirão para formação de gerações com mentalidade mais global, do lado do País é preciso refletir sobre a nossa estratégia.

A internacionalização do ensino superior pode ter diferentes modalidades . A mais conhecida, e que tem sido adotada por universidades brasileiras, envolve a já mencionada mobilidade de estudantes.

A mobilidade de professores constitui também uma atividade importante. A criação das várias faculdades que compõem a Universidade de São Paulo (USP) e a sua própria criação esteve ligada à vinda de professores estrangeiros para o País, principalmente nas primeiras década do século XX. Isto conduz não apenas ao ensino, mas também a atividades de pesquisa conjunta, importante para o avanço do conhecimento.

Uma outra modalidade de internacionalização diz respeito a alianças estratégicas entre instituições de ensino superior, a fusões, compra de unidades ou mesmo estabelecimento de operações novas tipo "greenfield".

Em estudo recente (Pinheiro de Souza e Fleury, 2008), analisamos como essas modalidades acontecem no Brasil. Os primeiros dois tipos , como mencionei , são os mais adotados pelas universidades brasileiras, por meio dos convênios assinados com universidades estrangeiras. As outras modalidades são mais raras.

A aquisição da Universidade Anhembi Morumbi pela Laureate em 2005 é um caso ilustrativo de outra modalidade. O grupo, hoje presente em 18 países, com 25 mil professores e 405 mil estudantes em 100 campi, se interessou pelo Brasil, pelo potencial do mercado educacional e possibilidades de desenvolver novos cursos. Na outra direção, a: internacionalização de universidades brasileiras os exemplos são mais raros. Um caso não bem-sucedido foi o do Centro Universitário de Campo Grande (Unaes), que comprou participação acionária do New College of California. A Unaes foi vendida à Anhanguera Educacional e a operação internacional, por uma série de motivos, não deu certo.

As alianças estratégicas constituem uma modalidade interessante para as instituições brasileiras , mas requerem maturidade no processo de internacionalização e compromisso entre as instituições parceiras. Tenho acompanhado duas experiências da EAESP/ FGV na participação de consórcios internacionais: CEMS Global Alliance in Management Education e o programa de One MBa. Nos dois casos, os programas de pós-graduação são desenvolvidos em conjunto pelas escolas parceiras, obedecendo a critérios estritos de conteúdo e qualidade, oferecendo o duplo diploma para grupos internacionais de estudantes. Ambos são muito valorizados, com ranking no Financial Times, e propiciam um aprendizado valioso para os estudantes, professores e instituição.

Num mundo de educação sem fronteiras, precisamos como país desenvolver competências para sermos parceiros estratégicos e não só fornecedores de estudantes para os outros países.

kicker: É preciso maturidade para alianças entre universidades do Brasil e de fora

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) MARIA TEREZA LEME FLEURY* - Diretora da EAESP/FGV e professora da FEA/USP. Próximo artigo da autora em 16 de fevereiro)