Título: Déficit orçamentário é desafio para novo líder
Autor: Freitas Jr, Osmar
Fonte: Gazeta Mercantil, 19/01/2009, Internacional, p. A14

Nova York, 19 de Janeiro de 2009 - "Somos todos keynesianos agora." O insuspeito autor desta sentença foi ninguém menos do que o economista conservador norte-americano Milton Friedman. Disse isso em 1965, durante a explosão da economia dos Estados Unidos durante o governo Lyndon Johnson, quando as teorias do inglês John Maynard Keynes (autor do livro seminal "Teoria Geral do Emprego, Juro e Moeda") estavam sendo aplicadas à risca. Friedman, é claro, errou. Ele próprio e o país trataram de reverter esta fidelidade. Mas com a crise global de 2008, deu qualidades de fênix à frase. O novo consenso de Washington, hoje, é o de que somos, globalmente, todos keynesianos. E ninguém mais do que o presidente Barack Obama, que será o timoneiro desta nau filosófica que volta do exílio.

Em menos de duas décadas, depois da frase de Friedman, surgiria um novo dogma que guiaria os governos americanos por mais de 30 anos, rumo à crise que se enfrenta agora. Era o chamado "Consenso de Washington", com o fundamentalismo de mercado que, acreditava-se, seria capaz de se auto corrigir e, portanto, dispensaria regulamentações e fiscalização governamentais. Aliava-se a esta fórmula: cortes de gastos do Estado, capazes de patrocinar redução de impostos aos setores mais abastados da sociedade. Seria este segmento que promoveria o crescimento nacional. Seus ganhos teriam um efeito de cascata rumo à base da pirâmide econômica. O esquema não deu certo, viu-se primeiro, nos países em desenvolvimento, obrigados a entrar no clube do "Consenso". E finalmente, o debacle da teoria ficaria evidente em Washington. Principalmente com a constatação de que Wall Street se auto-regula como o proverbial bode colocado para guardar uma horta.

"Keynes argumentava não apenas que os mercados deixados a seus próprios recursos, eram incapazes de auto-controle, mas também por que as regras eram necessárias e por que o governo tem de exercer papel importante na Economia", diz o professor Joseph Stiglitz, da Universidade de Columbia e receptor do Prêmio Novel de Economia em 2001. Ele lembra também que muitos dos que integram a equipe de Obama hoje, foram defensores do fundamentalismo de mercado no passado. Diz ser necessário que o presidente não permita uma volta a estas idéias. E dá a receita keynesiana com o qual, pelo menos em discurso, o presidente parece concordar: "O legado de falta de investimento em tecnologia e infra-estrutura, principalmente do chamado tipo 'verde', e o aumento da disparidade entre ricos e pobres requerem congruência entre as despesas de curto prazo e em visões para longo prazo. Para isso será necessário reestruturar os programas fiscais e de gastos. Baixar os impostos para as camadas mais pobres e aumentar os montantes de benefícios a desempregados. Simultaneamente o aumento dos impostos aos mais ricos estimulará a economia, reduzirá inequidades e também o déficit. Estancar o desperdício de dispêndios no Iraque e aumentar os gastos em educação podem simultaneamente cumprir satisfatoriamente metas de curto e longo prazos", diz Stiglitz.

O professor dá, deste modo, uma versão liliputiana das receitas de John Maynard Keynes. Resume também o que até as rochas vêm ouvindo em Washington, desde a eleição de Obama. Os planos do presidente exigem, à priori, um pacote econômico de cerca de US$ 800 bilhões - podendo chegar a US$1 trilhão. Para se ter uma idéia do que significa este montante, imagine-se que daria para construir em território americano uma casa de três dormitórios para cada homem, mulher e criança da China (1,3 bilhão de pessoas).

O dinheiro, porém, será empregado na reforma e ampliação da infra-estrutura do país. "Nos mesmos moldes como foi feito pelo presidente (Dwight) Eisenhower, entre 1953 e 1961", como explicou Barack Obama há duas semanas antes de sua posse. Foi no governo Eisenhower que se construiu a fabulosa malha rodoviária americana, que hoje está ultra dilapidada. "O investimento em infra-estrutura, não apenas de estradas, é parte fundamental para a criação de três milhões de empregos até 2010", diz Obama Conferem-se, deste modo, dois dos quesitos importantes das prescrições keynesianas. O pacote, porém, também servirá para reduções de impostos à classe média e incentivos fiscais ao desenvolvimento de novas tecnologias, principalmente no campo energético, mas sem se ater a ele. Não se fala ainda em aumentos tributários aos mais ricos. Estes, por hora, estão no campo das promessas de campanha.

"A digitalização dos arquivos médicos do país, é um dos primeiros passos urgentes para a ampliação do seguro de saúde universal. Quando este estiver estabelecido, cortará drasticamente as despesas de indivíduos e também de seus empregadores", adiantou também o presidente eleito.

Keynes se preocupava muito com o beco da falta de liquidez. Sem o crédito, como se viu novamente agora, não há negócios e crescimento. A quebradeira dos bancos durante a Grande Depressão, nos anos 30, foi alvo de estudos e propostas do economista inglês. Mas diferentemente do que ocorreu naquela ocasião, o debacle de agora não começou com as instituições de crédito aquelas que emprestam dinheiro de forma tradicional. Os bancos de antigamente eram apenas deste tipo. Agora as empresas financeiras se especializaram em reempacotar riscos e vendê-los. "O perigo que se corre com os chamados neo-keynesianos é de que eles não tenham aprendido a lição. Caso não criem novos instrumentos regulatórios e de fiscalização, os mesmos entusiastas do mercado vão inventar modos de ganhar com novas fórmulas de risco. Como o fizeram depois da crise japonesa dos anos 1990, quando também se gritou por melhor regulamentação, mas nada foi feito", diz o professor Stiglitz. Ele também lembra que, afinal, hoje em dia, a busca de receitas keynesianas se mostram mais lucrativas do que o fundamentalismo de mercado. O truque para Barack Obama é não deixar que a ganância se disfarce de pupila do velho economista inglês.

O novo Consenso de Washington, porém, não reflete unanimidade. Como na época em que Keynes estava vivo, há críticos de seu receituário. Seriam, digamos, herdeiros do economista James Buchanan (autor de Democracy in Deficit) . Usam dos argumentos do autor para apontar perigos no percurso. "Há grande risco de que os novos keynesianos adotem uma cultura de irresponsabilidade fiscal, onde o déficit ficará fora de controle", diz o economista do Comitê Nacional Repubicano, Marlon Huston. "James Buchanan, nos anos 30, já alertava para as irresponsabilidades dos políticos. O próprio Obama prevê um déficit que permanecerá durante décadas, estimando-o em algo como US$ 10 trilhões", diz Huston. E John Maynard Keynes nunca aprovou este tipo de descontrole. Barack Obama diz acreditar que terá mão firme no timão, para minimizar os avanços do desequilíbrio orçamentário. Caso contrário, seu governo e o país vão naufragar, mesmo com a bússola keynesiana.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 14)(Osmar Freitas Jr.)