Título: País ganha papel de mediador para os EUA
Autor: Batista,Fabiana
Fonte: Gazeta Mercantil, 19/01/2009, internacional, p. A20

Nova York, 19 de Janeiro de 2009 - No primeiro semestre de 2005, um empresário brasileiro esperava em Miami a confirmação da ida aos Estados Unidos do então Ministro-Chefe da Casa Civil do Brasil, José Dirceu. O ponto de encontro seria a cidade de Houston, no Texas, e o anfitrião da dupla era o ex-presidente americano George H. Bush. O grupo trataria de estratégias de aproximação entre o governo George W. Bush, e o regime de Cuba, para uma possível liberalização de relações. Na complicada equação entrava, também, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, cujo antagonismo ao governo americano preocupava Washington cada vez mais. A idéia era usar o ministro brasileiro, que mantinha excelentes laços com os líderes de Havana e Caracas, como mediador diplomático entre as partes. O que, aliás, ele já vinha fazendo. Bush, o velho, secretamente representava o filho nas conversas. A reunião, porém, não ocorreria: o escândalo da CPI dos Correios começava a derrubar Dirceu. Deste modo, a crise política em Brasília atrasou em vários anos a queda do bloqueio econômico à Cuba, e ainda o acomodamento do imbroglio permanente com Chávez.

Esta história, até agora não contada em todos os detalhes, é exemplar daquilo que ainda acontece nos bastidores diplomáticos da América Latina. O Brasil vem servindo de mediador entre os Estados Unidos e seu maiores antagonistas no hemisfério. E esta atividade deverá aumentar significativamente durante o governo Barack Obama. "O Brasil é um país fundamental em nossas relações com a América Latina", disse o então candidato democrata ao JB. Repetiu várias vezes esta afirmativa durante e depois da campanha eleitoral. Sua secretária de Estado, Hillary Clinton, ecoou a intenção de relacionamento estreito durante sua sabatina no Congresso, na semana passada. Uma prova desta importância reconhecida pode vir já em abril, com uma provável visita presidencial oficial ao Brasil, numa escala anterior à Cúpula das Américas, entre os dias 15 e 17, em Trinidad e Tobago.

Na agenda do presidente americano em Brasília, estaria, em primeiro lugar, a busca de ajuda para aclamar os ânimos exaltados de governos da América Latina, exibidos na cúpula da Barra do Sauípe, em dezembro passado. Lá, por pouco, não se exigiu em documento oficial o fim do embargo à Cuba, com ameaças de retaliações aos Estados Unidos, caso contrário.

"A missão prioritária do presidente americano na ocasião, será a de ganhar tempo para demonstrar que sua política para a América Latina será muito diferente da de George W. Bush. Para isso ele precisa de aliados como o Brasil, e outros governos moderados, na procura de um apaziguamento das relações com a região", diz Albert Girard, um dos assessores da equipe para o hemisfério, do novo presidente americano. "Numa segunda etapa, seriam porpostos acordos de cooperação entre os países, principalmente na área de controle do tráfego de drogas. Os planos que estão sendo elaborados procuram tirar a ênfase militarista dada à questão pelo governo Bush. Uma das idéias é aproveitar mais a Americapol (a polícia multinacional da América do Sul), dando caráter mais policial ao problema", diz Girard.

A porta de entrada para a volta dos Estados Unidos ao ambiente carregado dos países latino-americanos seria o Mercosul, segundo Arturo Valenzuela, um dos principais assessores de Obama para a região. O mercado comum do Cone Sul é visto como uma associação de melhores parceiros para uma nova política americana no Continente. Partiria de acordos com este organismo, trabalhos conjuntos nos temas: mudanças climáticas, união de esforços frente a desastres naturais, combate à redes ilegais- seja de tráfego de drogas, lavagem de dinheiro, comércio humano e outras atividades criminais- e cooperação para o crescimento econômico. Embutida neste pacote, estaria a construção de uma estrutura diplomática que acomode melhor as relações entre Washington e os governos mais antagônicos.

Antecipa-se, porém, que os governos do Mercosul, principalmente do Brasil, vão considerar tímidas e inadequadas quaisquer propostas que não incluam uma nova política de comércio, com a derrubada de barreiras alfandegárias consideradas injustas. Haverá pressão, por exemplo, para que se dê um final positivo às negociações da Rodada de Doha. Neste aspecto, o Secretário de Agricultura de Obama, Tom Wilsack, foi curto e grosso: "Não há clima para derrubada de barreiras- por exemplo, no caso do etanól brasileiro- neste Congresso de maioria democrata". E neste ponto mora o maior entrave à política do novo governo para a região.

"Existem considerações sobre um acordo comercial paralelo entre o Mercosul e os Estados Unidos. Seria ainda limitado, não tão abrangente como o que se propõe na Rodada de Doha. Mas, ainda assim, traria grandes vantagens para todos os países. Seria como um primeiro passo para um compromisso de livre comércio como quer, por exemplo, o Brasil", diz Samuel Ortega, assessor da equipe de Obama para o hemisfério. Ele não arrisca previsões sobre itens específicos deste arranjo, já que os planos ainda estão sendo traçados, mas acredita que envolverá maior permuta de tecnologia entre as partes, com os americanos fornecendo know-how e soluções para desenvolvimentos econômicos, principalmente na áreas de energia, agricultura e IT.

A seriedade de propósitos do governo Obama teria exemplo corporal imediato com a indicação de seu embaixador no Brasil. As apostas são de que o importante diplomata de carreira, ex-subsecretário de Estado de Bush, Tom Shannon, está de malas prontas para Brasília ou Cidade do México.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 20)(Osmar Freitas Jr.)