Título: Governo deixa Esplanada à míngua
Autor: Bonfanti, Cristiane
Fonte: Correio Braziliense, 19/03/2011, Economia, p. 20

Desde o início do ano, Tesouro libera recursos a conta-gotas para cumprir a meta de superavit de 3% do PIB pedida pelo mercado Gabriel Caprioli

Na ânsia de provar ao mercado financeiro que é capaz de reduzir as despesas e cumprir, integralmente, a meta de superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida), de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), o governo da presidente Dilma Rousseff está deixando boa parte da Esplanada dos Ministérios à míngua. O Tesouro Nacional tem controlado o repasse de verbas na boca do caixa e são poucos os projetos agraciados desde o início de ano. A ordem é atender apenas empreendimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ¿ e, mesmo assim, com o menor volume possível de recursos.

Em vários órgãos federais, a liberação de limites financeiros para gastos, feita mensalmente mediante pedido dos ministérios, está atrasada, atrapalhando a rotina das pastas. No Ministério das Cidades, não são repassados recursos para os projetos fora do PAC desde outubro do ano passado, segundo a assessoria de imprensa. O caixa está tão apertado que o órgão estuda, inclusive, reduzir o uso de materiais no dia a dia, como papéis e copos. ¿A Esplanada inteira está assim. Há contenção de gastos não apenas aqui, mas no governo federal inteiro. Mesmo assim, as obras do PAC estão em andamento e o programa Minha Casa, Minha Vida conseguirá alcançar as metas estabelecidas¿, informou o Cidades.

No caso do Ministério da Integração Nacional, o represamento de recursos levou à revisão dos pedidos feitos ao Tesouro, segundo o diretor de gestão estratégica, Cláudio Cavalcanti. ¿Desde janeiro, a retenção nos atingiu diretamente. O maior impacto foi nas emendas parlamentares, 100% vetadas¿, afirmou. A previsão para o órgão era de R$ 1,6 bilhão.

Restos a pagar Pela análise do Banco Itaú, as travas na boca do caixa são uma forma de complementar o bloqueio orçamentário de R$ 50 bilhões, anunciado pelo governo no início de fevereiro e considerado pelo mercado insuficiente para atingir a meta de superavit primário de 3% do PIB. Ao optar por não repassar os recursos disponíveis, o Tesouro empurra boa parte dos gastos previstos neste ano para 2012 na forma de restos a pagar, facilitando o cumprimento da meta. ¿Em 2009/2010, anos de política fiscal relativamente relaxada, o gasto federal médio ficou quase R$ 34 bilhões abaixo do previsto no Orçamento. Assumimos que os ¿restos a pagar¿ de 2011 fiquem em R$ 20 bilhões, o que levaria a um ¿bloqueio¿ total do orçamento de R$ 70 bilhões¿, destacou o economista Maurício Oreng, do Itaú.

Uma funcionária da área de convênios do Ministério da Cultura revelou que, desde o início do ano, a pasta praticamente não celebra convênios com organizações não governamentais (ONGs), municípios e estados. ¿No ano passado, recebíamos 20 por semana. Agora, os projetos nem chegam, devido à falta de dinheiro para executá-los. São pedidos para mobiliar centros culturais, comprar instrumentos para bandas e outras ações¿, disse.

O assessor orçamentário de um senador confirmou que, de fato, os projetos na área de Cultura são os mais atingidos pelo corte. ¿Infelizmente, o Tesouro não está repassando os recursos e temos sofrido vetos muito grandes das emendas dos parlamentares. O corte no Orçamento veio e os políticos estão se reunindo para tentar rever isso. No Ministério das Cidades, não há autorização para obras nos municípios¿, ressaltou.

No Ministério dos Transportes, o Tesouro também só libera recursos para o PAC. Obras prioritárias como a construção da BR-163 ¿ sustentadas por determinação expressa da presidente Dilma Rousseff ¿ são praticamente as únicas mantidas. No Ministério da Agricultura, os efeitos já são sentidos no dia a dia. ¿Houve uma reunião na semana passada entre representantes do gabinete do ministro e as diretorias. Temos economizado em tudo, canetas, resmas de papel e copos. Houve corte até de papel higiênico¿, comentou uma servidora.

Na própria carne O próprio Ministério do Planejamento, responsável por definir os alvos da tesoura, está sentindo os efeitos do ajuste fiscal. A secretária de Patrimônio da União, Paula Maria Motta Lara, orientou os coordenadores a evitar desperdício de materiais. ¿Estamos usando, por exemplo, os dois lados das folhas de papel nas impressões. A meta é reduzir as despesas a cada mês¿, relatou uma trabalhadora.

O Correio constatou que, no Ministério da Saúde, os arrocho se deu, principalmente, nas despesas com viagens, devido ao Decreto n° 7.446, que limita em 40 o número de diárias por servidor a cada ano. ¿Isso dificulta o acompanhamento de convênios, como os de construção de unidades de saúde, feitos com o ministério nos estados e municípios¿, disse um técnico.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o órgão afirmou que o ministro Alexandre Padilha assinou, inclusive, uma portaria determinando que todos os órgãos subordinados à pasta passem a adotar medidas para reduzir despesas com passagens e diárias. ¿A subsecretaria de Assuntos Administrativos está adotando diversas medidas para reduzir outras despesas. Para isso, aumentou o controle dos gastos com tarifas telefônicas e adotou medidas para reduzir os gastos de energia elétrica, combustíveis e água. Todos os projetos de reformas de prédios do Ministério da Saúde serão revistos, devendo apenas ser efetuadas as obras efetivamente necessárias¿, acrescentou a pasta.

O Ministério da Previdência Social informou que uma das iniciativas afetadas é o Plano de Expansão da Rede de Atendimento (PEX), que prevê, até 2013, 720 novas unidades do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com municípios com mais de 20 mil habitantes. ¿Para 2011, seriam 146 unidades. Vamos pelo menos garantir pelo menos 100¿, ressaltou a pasta.

Estrada presidencial A conclusão da BR-163, que liga o Mato Grosso ao Paraná, é considerada vital pela presidente Dilma Rousseff para o escoamento de parte da produção de grãos do país. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, a chefe do executivo deixou claro que as obras da estrada só decolaram em função do esforço pessoal dela durante os anos de 2007 e 2008, enquanto ainda era ministra da Casa Civil.

Orçamento paralelo Adiar a liberação de recursos por meio do mecanismo dos ¿restos a pagar¿ virou praxe nos últimos anos. A prática, no entanto, é de alto risco para a dinâmica orçamentária. Até janeiro, o estoque esperando para ser honrado nessa rubrica, segundo estimativa do Banco Itaú, era de R$ 133 bilhões, referentes aos anos de 2007 a 2010. O pagamento de investimentos previstos no ano passado pode ser automaticamente feito em 2011. Já o desembolso de valores referentes aos períodos anteriores dependem de decreto assinado pelo ex-presidente Lula, que deixará de valer em abril. Se não houver renovação, tudo será cancelado. Somente no Ministério das Cidades, são R$ 18 bilhões que poderão deixar de ser pagos, gerando reclamações dos municípios que aguardam o dinheiro.