Título: Ultimato a Kadafi
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 19/03/2011, Mundo, p. 26

Estados Unidos, França, Reino Unido e países árabes exigem o fim de ataques à população. Ditador líbio desafia a decisão da ONU, ignora potências e mantém bombardeios. Expectativa de ofensiva militar internacional aumenta

No jogo de xadrez em que se tornou a situação na Líbia, importantes peças foram mexidas nos últimos dias, mas o xeque-mate para qualquer um dos lados estava incerto ontem. Um dia após a aprovação no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) de uma zona de exclusão aérea no país, o ditador Muamar Kadafi anunciou um cessar-fogo imediato. Mas a medida foi recebida com desconfiança pelas potências, que deram um ultimato ao líder líbio. Os insurgentes chegaram a comemorar o novo cenário, mas logo viram que o discurso do coronel não refletia suas ações. Várias cidades conquistadas pelos rebeldes foram atacadas pelas forças do governo, apesar do comunicado sobre a suposta trégua e da pressão internacional.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse ontem que Kadafi deveria realmente cumprir o cessar-fogo. ¿Se Kadafi não cumprir, haverá consequências¿, declarou. A França, o Reino Unido e países árabes somaram-se aos EUA e deram um ultimato ao ditador para que ele interrompam imediatamente os ataques contra a população, sob pena de uma intervenção militar. Por meio de um comunicado conjunto, alertaram que ¿Kadafi deve pôr fim ao avanço de suas tropas contra Benghazi e se retirar de Ajdabiya, Misrata e Zawiyah¿. ¿O fornecimento de água, eletricidade e gás deve ser restabelecido em todas as regiões. A população deve poder receber ajuda humanitária¿, concluíram. O embaixador da França na ONU, Gerard Araud, assegurou à rede de TV BBC que a intervenção militar na Líbia deve começar ¿horas após¿ uma reunião internacional prevista para hoje.

Mais cedo, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, afirmou que Washington espera um cessar-fogo real de Kadafi e que os ¿EUA não se impressionam com palavras¿. Em seu pronunciamento, Obama reiterou em vários momentos que seu país não agirá sozinho, mas com as Nações Unidas e seus aliados. Segundo o presidente, nenhuma tropa americana será mobilizada na Líbia enquanto o Ocidente e as nações árabes preparam ações militares contra Kadafi.

Para o especialista Ronald Bruce St. John, autor de sete livros sobre o país, se a declaração de cessar-fogo mostrar-se apenas mais uma estratégia de Kadafi para consolidar o controle das áreas tomadas por insurgentes, a coalizão de forças da ONU precisará agir imediatamente. ¿Elas terão que forçar esse cessar-fogo atacando o sistema de defesa aéreo líbio e bombardeando pistas de aeroportos para forçar Kadafi a cumprir a resolução¿, afirmou, em entrevista ao Correio. ¿De qualquer maneira, será muito difícil para a ONU cumprir a principal demanda da Resolução nº 1.973, que é prover assistência humanitária aos cidadãos, uma vez que não há observadores independentes em território líbio para monitorar o que regime está fazendo nesses locais.¿

Preparativos Os preparativos militares para uma ação na Líbia começaram na quinta-feira, após a votação no Conselho de Segurança. A Itália anunciou que disponibilizaria sete bases militares, equipamentos e tropas. A Dinamarca e o Canadá planejam contribuir com caças. A França deve sediar reuniões hoje (sábado) para debater a ação com o Reino Unido, a Liga Árabe e outros líderes. Depois de uma reunião com embaixadores, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Anders Fogh Rasmussen, disse que a aliança militar estava ¿finalizando seu planejamento a fim de se prontificar para tomar a ação apropriada.¿

Enquanto isso, a população da Líbia continua sofrendo. Ao menos 25 pessoas morreram em Misrata após bombardeios de tropas. No leste, dominado pelos rebeldes, a declaração do governo de que encerraria os combates foi repudiada. Forças de Kadafi avançaram rumo a Benghazi, segunda maior cidade do país. Segundo a TV Al-Jazeera, uma forte explosão, seguida de disparos de artilharia, foi ouvida. Ronald Bruce St. John ponderou que os insurgentes estão ¿completamente desarmados¿. ¿Eles precisarão de quantidades significativas de artilharia, tanques, aviões e helicópteros para ter sucesso contra as forças de Kadafi.¿

¿Eles são os culpados¿ O vice-ministro líbio das Relações Exteriores, Khaled Kaaim, acusou na madrugada de hoje (hora local) os rebeldes de violar o cessar-fogo e atacar as forças leais a Muamar Kadafi na região de Al-Magrun, 80km ao sul de Benghazi. ¿Milícias armadas começaram a atirar há alguns minutos (contra as forças líbias) e o ataque continua¿, disse Kaaim. ¿O Exército não reage contra eles porque não queremos violar o cessar-fogo¿. O vice-chanceler pediu a presença urgente de observadores internacionais.