Título: Eles só querem viver
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 19/03/2011, Mundo, p. 28

A blogueira Luiza Idemi, 28 anos, estava misturando o açúcar no leite da filha quando sentiu o chão tremer. ¿Achei que era a Ísis balançando a mesa. Ela percebeu antes e ficou gritando `Miminha¿ ohhh¿ohhh¿¿¿, relata. Moradora da província de Aicki-Ken, a 324km de Tóquio, Luiza diz que, embora os tremores no local tenham sido fracos em 11 de março, o chão balançou por um bom tempo, algo que a assustou. ¿Peguei a pequena no colo e corri para fora do apartamento. Saí descalça, descabelada e de pijama.¿ No corredor, ela viu que não tinha ninguém. Nevava e chovia forte. ¿Resolvi voltar para casa e ver o que tinha acontecido. O Twitter (microblog) ferveu e, minutos depois, a ficha caiu, a coisa tinha sido feia. Mais algumas horas e me dei conta do tamanho do desastre.¿

Uma semana depois do quarto pior terremoto da história do Japão, Luiza tenta levar a vida normalmente. Vez por outra, é surpreendida por notícias desagradáveis e boatos que circulam pela internet. ¿Não estou fazendo pouco da tragédia, é uma situação delicada, existem muitas pessoas feridas, desabrigadas, desaparecidas, sim, mas pela forma como as informações foram passadas, dava a impressão de que o Japão inteiro estava destruído¿, critica.

Muitos se aproveitaram da situação, segundo a jovem. Ela conta que algumas pessoas desabasteceram os supermercados para, depois, revender os produtos a preços mais altos. Luiza também denuncia que, no Brasil, golpistas tentaram tirar dinheiro das famílias de dekasseguis, fornecendo números de contas bancárias para, supostamente, ajudar as vítimas. ¿Enquanto a mídia sensacionalista fazia a festa, minha família, assim como muitas outras, estava desesperadas esperando notícias. E, como se não bastasse isso tudo, pessoas sem noção, repassando informações falsas e semeando o pânico nas redes sociais.¿ Ao contrário de estrangeiros que buscam refúgio no Aeroporto Internacional de Narita, Luiza não pretende abandonar o país. ¿Na região em que moro, praticamente não fomos afetados. Não tenho motivos para ir embora agora¿, disse.

Assim como Luiza, pouco a pouco, japoneses e estrangeiros que vivem no país tentam retomar suas vidas. O compositor e cantor canadense Blaise Plant, 31 anos, morador de Sendai, uma das cidades mais afetadas pelo tsunami, integrou um grupo de voluntários para ajudar a reconstruir os municípios próximos. ¿O Japão está lidando muito bem com a situação.¿ Em Hachinohe, vilarejo devastado pelas ondas gigantes, Plant diz que a adesão ao trabalho voluntário foi enorme. ¿As coisas estão indo muito bem, as pessoas estão ajudando bastante e trabalhando horas a fio¿, anima-se. O artista celebrou ontem mais uma ano de vida reconstruindo casas arrasadas. ¿Foi meu melhor aniversário.¿ Nos próximos dias, ele espera poder ir a Sendai ajudar a reerguer a cidade.

O paulistano Alexandre Mauj Imamura, 36 anos, mora há nove em Aichi, a 700km de Miyagi, província próxima à usina nuclear de Fukushima. Ele pretende fazer parte da reconstrução do país. ¿Quero ficar pra ajudar, sinto que é minha obrigação¿, diz. Alexandre conta que, em Aichi, a vida segue normalmente, embora seja grande a tristeza pelo que ocorreu no Japão. ¿Nota-se nas ruas muita gente chorando, cabisbaixa. Ou orando pelas vítimas e pelos técnicos que se arriscam para tentar resolver a situação da usina. Em muitos lugares, há cartazes com mensagens de incentivo e músicas `otimistas¿, algumas do tempo da Segunda Guerra Mundial¿, relata.

Apesar do desejo de voltar à normalidade, as dificuldades são muitas no país. No blogue que mantém, a brasileira Elisa Fuji, que mora em Yokohama, fez um desabafo, ontem. ¿Nos supermercados da região onde vivo, Honmoku Yokohama, já não achamos pão, leite e arroz. Ontem, havia uma fila enorme de carros no posto de gasolina perto de casa. Hoje não havia nenhum. Esperançosa de que tudo tinha voltado ao normal, quando me aproximei, vi uma placa avisando que a gasolina acabou¿, relatou. ¿Onde está o Japão de uma semana atrás? Quero aquele país de volta!¿