Título: Mindlin e sua jornada em busca do tempo perdido
Autor: Aguiar,Isabel Dias de
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/02/2009, Brasil, p. A5

São Paulo, 3 de Fevereiro de 2009 - A decisão do governo federal de revogar, semana passada, a decisão descabida do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, de tornar obrigatória a licença prévia para importação de insumos e matérias-primas industriais, evitou que a política de comércio exterior brasileira fosse remetida a um passado nada lisonjeiro, quando as empresas brasi-leiras eram submetidas a decisões pouco transparentes se a intenção fosse trazer insumos e matérias-primas do exterior. O critério para o controle das importações era o da gaveta. O equilíbrio (ou o desequilíbrio) da balança comercial ditava a velocidade com que as guias de importação eram emitidas.

Nas décadas de 1970 e 1980, sob o tacão de Benedito Moreira, depois sucedido por Namir Salek, que chefiavam a Carteira de Comércio Exterior (Cacex) do Banco do Brasil, empresas, especialmente indústrias, eram submetidas a longas esperas para obter guias de importação. Quem melhor exprimiu esse marasmo da burocracia brasileira foi o célebre bibliófilo brasileiro, então empresário José Mindlin, fundador da Metal Leve, fabricante de componentes para motores a explosão. No início dos anos 50, quando iniciava um negócio de retífica de motores de veículos importados, até então os únicos em circulação no País, Mindlin permanecia por longas horas na antessala da Cacex. Eram tantas as horas de espera que Mindlin, segundo informa, pode ler as obras completas de Proust, composta por mais de 20 volumes e cujo principal título é "Em busca do tempo perdido". O objetivo dessa política (que se prolongou até o início da década de 1990) era, paradoxalmente, proteger o setor industrial. Segundo a estratégia da ocasião, a indústria local deveria alcançar índice de nacionalização de componentes superior a 75%. O resultado foi a instalação de um setor produtivo sonolento, pouco inovador do ponto de vista tecnológico e sem as mínimas condições de competir no mercado internacional. Mas, ao menos contribuiu para o aprimoramento dos conhecimentos literários de Mindlin, um dos mais consagrados intelectuais do País.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 5)(Isabel Dias de Aguiar)