Título: Sarney e Temer querem priorizar combate à crise
Autor: Correia,Karla ; Bruno,Raphael
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/02/2009, Brasil, p. A7

Brasília, 3 de Fevereiro de 2009 - Após vigoroso crescimento nas eleições municipais de outubro passado, o PMDB deu ontem mais um passo rumo ao gigantismo ao assegurar o comando da Câmara e do Senado, façanha que há 17 anos não era alcançada. As presidências das duas Casas estão sob controle de dois caciques da legenda, o senador José Sarney (AP) e o deputado Michel Temer (SP).

A sigla comandará o Legislativo em tempos de desafios - os dois eleitos citaram a crise econômica como o principal deles e reafirmaram o papel que o Congresso deve exercer no seu enfrentamento - e votações de projetos cruciais como as reformas tributária e política. Estarão também sob sua responsabilidade o ritmo e a natureza das apreciações de matérias, poderoso trunfo em ano de sucessão presidencial.

Apenas um obstáculo insiste em ficar no caminho do PMDB: as divergências internas. Apesar das vitórias na Câmara e no Senado, as eleições nas duas Casas aprofundaram o racha que hoje separa senadores ligados ao grupo de Sarney e Renan Calheiros (AL) da trincheira paulista do partido que age sob as diretrizes de Temer e do ex-governador Orestes Quércia - um dos mais animados com a vitória do colega, ontem, no plenário da Câmara dos Deputados.

O quadro se agrava com o PMDB no meio de um cabo-de-guerra entre governo e oposição, que tentam atrair a agremiação para compor alianças em 2010 e dividem as simpatias na legenda. Ciente disso, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), trabalhou por Tião Viana (PT-AC), candidato derrotado por Sarney, apenas para fortalecer, na correlação interna de forças peemedebistas, a ala paulista, mais próxima dos tucanos. Nos próximos meses, as duas facções do PMDB se enfrentam em eleições pela presidência nacional da legenda.

No meio político, qualquer referência ao PMDB costuma vir acompanhada da irônica indagação "mas qual PMDB"? Ontem, a despeito da falta de unidade que ameaça o poderio futuro da legenda, foi a vez de todos os PMDBs ganharem.

Vantagem honrosa

Passado o tenso fim de semana e com o Palácio do Planalto mantido a uma distância prudente, o peemedebista José Sarney (AP) elegeu-se presidente do Senado ontem com uma vantagem honrosa - foram 49 votos, o mesmo quorum qualificado exigido para aprovar uma emenda constitucional, contra 32 de seu adversário, Tião Viana (PT-AC).

O placar traz, em si, o peso de ao menos três defecções para cada um dos lados: Sarney entrou no plenário da Casa Alta contabilizando 52 votos. Viana, outros 35. Representa, ainda, um relativo alívio para o Planalto, que fatalmente teria de lidar com as sequelas de um processo eleitoral que rachou o Senado entre os dois maiores partidos da base governista, o PMDB e o PT. Entre outros motivos, porque será mais fácil para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidar com as mágoas em seu próprio partido do que na legenda gigante que se ergueu das urnas nas eleições de 2008 e se consagrou agora no comando do Congresso.

Mas é, acima de tudo, a consagração da força do PMDB em um cenário onde cada detalhe aponta para 2010. Em um pronunciamento sintomático do peso da legenda no tabuleiro da sucessão presidencial, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), um dos articuladores da guinada que levou a bancada tucana para as fileiras de Tião Viana, se disse "pouco confortável" em votar contra Sarney.

O peemedebista assume o comando da Casa com uma bandeira de moralidade e de posicionamento do Senado na discussão de temas de peso para a sociedade. Comprometeu-se, por exemplo, a um corte linear de 10% em todas as despesas contidas no orçamento da Casa para 2009.

A medida "saneadora", como classificou o novo presidente, será seguida por uma reavaliação da área administrativa do Senado de forma a ampliar a navalhada nos gastos. Sarney ainda prometeu formar uma comissão de alto nível entre senadores e técnicos para acompanhar o andamento da crise econômica internacional, propor medidas para combatê-la e criar estratégias para votar as reformas política e tributária, além de discutir as mudanças na tramitação das medidas provisórias.

"Temos de estar atentos a quais são os problemas que estão ferindo a imagem do Congresso e procurar solucioná-los", disse o presidente do Senado. Entretanto, temas mais polêmicos foram cuidadosamente evitados por Sarney, que se esquivou de falar sobre a possibilidade de troca na direção-geral da Casa - hoje ocupada por Agaciel Maia, objeto de acusações sobre contratação irregular de empresas pelo Senado - e da influência de sua posição pessoal contrária à adesão da Venezuela ao Mercosul na discussão do assunto pelo Senado.

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 7)(Karla Correia e Raphael Bruno)