Título: Hillary Clinton vira o jogo
Autor: Rothenburg, Denise; Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 20/03/2011, Política, p. 2

A secretária de Estado e a embaixadora nas Nações Unidas, Susan Rice, tiveram papel determinante para vencer a relutância de Barack Obama em envolver as forças americanas na Líbia, direta e imediatamente. Posição americana mudou nos últimos três dias

A entrada dos Estados Unidos na intervenção militar na Líbia ¿ operação batizada de Odisseia ao Amanhecer ¿ foi articulada entre o presidente Barack Obama, em Brasília, a secretária de Estado Hillary Clinton, em Paris, e o Pentágono, em Washington. Inicialmente resistente a envolver as forças norte-americanas diretamente na ação, o presidente acabou convencido por Hillary e pela embaixadora americana na Organização das Nações Unidas (ONU), Susan Rice. Horas antes de embarcar para o Brasil, na sexta-feira, o presidente chegou a fazer um pronunciamento dando um ultimato ao ditador líbio, Muamar Kadafi, para que parasse com os ataques contra civis. No discurso, entretanto, Obama reforçou por várias vezes que os EUA não agiriam sozinhos, mas em conjunto com outros países.

Ontem, em Washington, funcionários de alto escalão da Casa Branca asseguraram à imprensa que a viagem ao Brasil não impediria o presidente de agir e exercer plenamente a função de comandante-em-chefe. Segundo o Washington Post, ¿eles enfatizaram que Obama poderia monitorar ambas as situações enquanto viaja por outra parte do mundo¿, citando a presença na comitiva de funcionários chaves na área de segurança nacional, como o conselheiro Thomas Donilon. A palavra final, porém, coube a Hillary, reunida com líderes aliados na capital francesa, a convite de Nicolas Sarkozy, que teve a primazia de anunciar o início da intervenção na Líbia. ¿O questionamento de muitos sobre essa viagem ¿ `como o presidente pode ir à América Latina com tudo isso acontecendo, do Japão ao Oriente Médio e ao Norte da África?¿ ¿ está sendo devidamente respondido¿, declarou Hillary.

Relutância A cautela do presidente pode ser explicada pelo fato de suas tropas já participarem de duas guerras em nações muçulmanas, Iraque e Afeganistão. A própria secretária de Estado se mostrara relutante ao envolvimento imediato das forças americanas, mas deixou clara a mudança de posição durante sua viagem ao Norte da África e à Europa, na última semana, mostrando que seu país daria o apoio à comunidade internacional na possível intervenção.

Criticado por sua postura mais cautelosa, Barack Obama teria mudado de opinião na última terça-feira, segundo uma reportagem do jornal The Washington Post. Após um jantar com ex-combatentes de alta patente, o presidente convocou os assessores da área de segurança nacional para uma reunião na Situation Room ¿ a sala de crises da Casa Branca. Depois de duas horas de reunião, o presidente autorizou Rice a aprovar a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas para a intervenção militar na Líbia e a imposição de uma zona de exclusão aérea.

A decisão foi festejada por uma ala do governo americano que o jornal define como ¿intervencionistas liberais¿. Esse grupo, encabeçado por Susan Rice, incluiria ainda Samantha Power e Gayle Smith, que integram o Conselho de Segurança Nacional (NSC, em inglês).

Contrários à medida estariam auxiliares mais diretamente ligados à defesa, como o secretário Robert Gates, o conselheiro de Segurança Nacional, Thomas Donilon, e o deputado Denis McDonough, conhecido dentro da administração como ¿protetor¿ da imagem do presidente. Segundo a reportagem do Post, essa ala teria expressado que a opção de impor uma zona de exclusão aérea poderia ser insuficiente para deter Kadafi, mas o suficiente para que Estados Unidos fossem responsabilizados, sozinhos, por mais uma intervenção militar no Oriente Médio.

Acerto de contas Em sua carreira invejável e meteórica no Departamento de Estado, a diplomata Susan Rice não hesita quando tem de apontar um momento difícil ou algo do que se arrepender: a passividade da comunidade internacional diante do genocídio em Ruanda, no centro da África, em 1994, quando dezenas de milhares de civis da minoria étnica tutsi foram massacrados por militares e milicianos da maioria hutu. Na época, Rice era trabalhava na missão americana nas Nações Unidas, sob direção de sua ¿madrinha¿ na carreira, a embaixadora Madeleine Albright ¿ futura secretária de Estado. Assessora para temas internacionais na campanha de Barck Obama, em 2008, Susan Rice foi nomeada embaixadora na ONU e protagonizou as articulações para aprovar a resolução do Conselho de Segurança que autorizou o ataque a Kadafi.