Título: Comandante a distância
Autor: Rothenburg, Denise; Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 20/03/2011, Política, p. 2

a Visita de obama Em resposta às instruções enviadas do Brasil pelo presidente, comando militar americano colocou em marcha os planos de ataque contra Kadafi. Analistas consultados pelo Correio avaliam que a Operação Odisseia ao Amanhecer será rápida e avassaladora

Foi o vice-almirante William E. Gortney, diretor do Estado-Maior Conjunto norte-americano, quem anunciou, na tarde de ontem, as linhas gerais do plano de ação concatenado com o preside nte Barack Obama, que coordenou do Brasil as articulações diplomáticas e militares dos Estados Unidos e de seus aliados para desfechar a Operação Odisseia ao Amanhecer ¿ nome com o qual foi batizada a ofensiva militar contra Muamar Kadafi, na Líbia. ¿As metas dessas ações iniciais são: em primeiro lugar, prevenir mais ataques das forças do regime aos cidadãos líbios e aos grupos de oposição ¿ especialmente dentro e ao redor de Benghazi; em segundo lugar, confrontar a habilidade do regime em resistir à zona de exclusão aérea que estamos implementando¿, anunciou o oficial à imprensa, em Washington.

Pouco tempo antes, o Pentágono tinha recebido de Brasília, onde Obama cumpria sua agenda de compromissos oficiais acompanhado pelo conselheiro de Segurança Nacional, Thomas Donilon, as instruções para iniciar a operação. Em Paris, uma vez dado o sinal verde pela Casa Branca e a ordem de ataque pelo presidente Nicolas Sarkozy, porta-vozes militares confirmaram os primeiros bombardeios lançados contra tanques de Kadafi pelos caças Rafale, que sobrevoavam a Líbia desde a manhã.

Para especialistas consultados pelo Correio, o plano da coalizão ¿ formada por Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália e Canadá ¿ é conduzir uma intervenção militar breve, poderosa e cirúrgica, capaz de nocautear o ditador líbio.

De acordo com o tunisiano Jabeur Fathally, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Ottawa (Canadá), os bombardeios são legalmente justificados. ¿A Resolução nº 1.973 da ONU avalizou a proteção dos civis líbios por parte da comunidade internacional¿, lembra. ¿A intervenção é considerada bem-vinda pela população local, e esse apoio é a chave para seu sucesso¿, acrescenta. Ele descarta um fracasso da operação, com base na quantidade de informações de inteligência e militares coletadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). ¿O território, o espaço e as fronteiras marítimas da Líbia são bem conhecidos dos exércitos europeus, muito mais do que o Iraque ou o Afeganistão¿, exemplifica. Jabeur também aposta que a zona de exclusão aérea conseguirá impedir que Kadafi lance mão da aviação. ¿Em poucas horas ou dias, essas ações deterão os ataques contra os civis nas cidades de Misrata e Ajdabiya¿, prevê.

Doutor em estudos árabes, o também tunisiano Noomane Raboudi acredita que as forças aliadas de Kadafi invadirão Benghazi para tornar a ofensiva aérea da Otan mais difícil. A intenção é se misturar à população da segunda maior cidade do país, bastião da insurgência e sede do governo de oposição reconhecido pela comunidade internacional. ¿Dentro das cidades, seus homens farão muitas baixas entre os civis, o que criará ódio contra o Ocidente e contra os guerrilheiros pró-democracia¿, teoriza.

Raboudi concorda que a coordenação entre a Otan e o Conselho Nacional Transitório (CNT) facilitará a derrota de Kadafi. O principal órgão da insurgência possui em sua fileira ex-integrantes do Exército líbio que têm total domínio das instalações militares. ¿Kadafi tentará algum ato tresloucado, como usar arsenal químico ou armar os civis. A Otan dispõe de todas as ferramentas para destruir suas divisões¿, observa. O analista vê como empecilho o comportamento dos cidadãos que permanecem leais a Kadafi. ¿Eles podem tornar as coisas mais complicadas para os insurgentes¿, alerta. Isso porque a coalizão poderá ter dificuldades para distinguir a divisão pró-Kadafi e os insurgentes, todos à paisana.

Gás mostarda Ainda segundo Raboudi, a 32ª Divisão ¿ sob o comando de Khamis (filho de Kadafi) ¿ ainda não se engajou nas batalhas. ¿É a mais bem treinada e equipada divisão do Exército líbio. Seus membros receberam instruções das forças especiais da Índia e do Paquistão, foram preparados para lidar com golpes de Estado e são capazes de isolar Trípoli em menos de 45 minutos, no caso de uma rebelião contra o regime¿, comenta. Ele diz temer que o ditador use amas químicas. ¿Relatos dão conta que ele possui cerca de 9t de gás mostarda na Base Aérea de Sabha. Leal a Kadafi, a cidade situada no sul do país é habitada por membros da tribo Kadadifas. Para Raboudi, a destruição da 32ª Divisão e controle do gás significariam a derrocada de Kadafi.

Por sua vez, Jabeur antevê dois cenários capazes de levar à destituição do ditador. O primeiro deles envolveria uma mobilização em massa dos rebeldes por todo o território Líbio, principalmente na região de Trípoli. Um movimento forte o bastante para desafiar as milícias do regime. No segundo cenário, os insurgentes tomariam vantagem da salvaguarda da comunidade internacional, que inclui ações militares e humanitárias, para explorar a legitimidade recém-conquistada e trabalhar mais próximo aos países árabes vizinhos.