Título: Contaminação da água aumentou, aponta CNBB
Autor: Hugo Marques
Fonte: Gazeta Mercantil, 22/09/2004, Meio Ambiente, p. A-9

Relatório mostra descaso de governos e empresas com a questão, com base em 35 mil denúncias que foram a juízo. A contaminação das águas de rios, lagos e lagoas do país quintuplicou nos últimos dez anos, segundo o relatório "O Estado Real das Águas no Brasil - 2003/2004", que será divulgado hoje pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Elaborado pela Defensoria das Águas ¿ instituição que tem no seu conselho representantes do Ministério Público Federal, CNBB, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Cáritas - o estudo relaciona ações de estados e empresas que agrediram o ambiente. O relatório da Defensoria será entregue às Nações Unidas e ao Vaticano.

O relatório foi feito a partir do mapeamento de 35 mil denúncias de agressão ao meio ambiente e ações civis públicas transitadas em julgado, ou seja, que já receberam sentença judicial. A principal fonte de contaminação no país é o despejo de material tóxico proveniente das atividades agroindustriais e industriais, que consomem 90% das águas e devolvem parcela contaminada ao leito dos rios.

Os pesquisadores apontam 20 mil áreas contaminadas no Brasil. Dentro dos próximos dez anos, diz o documento, a escassez de água para consumo humano nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte vai se agravar "profundamente", atingindo mais de 40 milhões de pessoas.

"É impressionante o nível de contaminação das águas. Temos uma excelente legislação ambiental, mas o Estado não está aparelhado para enfrentar estas questões", afirma o procurador da República Alexandre Camanho, um dos colaboradores da Defensoria.

Descaso dos governosA Defensoria da Água critica o descaso dos governos estaduais, mas ressalta que há boas ações em andamento. Uma das críticas recai sobre o governo de São Paulo, ao construir um parque público em cima de área contaminada, nas margens da Lagoa de Carapicuíba. Em Minas Gerais, o estudo destaca como ponto negativo a grande exploração das águas em São Lourenço, estância hidromineral.

No Rio, é citado como bom exemplo de iniciativa pública o projeto de lei do governo para indenizar as vítimas e recuperar a área em Duque de Caxias, onde a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) mantém 400 mil toneladas de lixo tóxico. Segundo o estudo, 30% da população urbana de Manaus não tem acesso à água.

Na região Sul, avança a degradação das águas pela contaminação das atividades agrícolas e industriais, com destaque para a suinocultura no oeste catarinense, a falta de controle ambiental do Paraná sobre as indústrias do pólo industrial de Araucária e o "descaso" do Rio Grande do Sul com a contaminação do meio ambiente em Sapucaia do Sul.

Há ainda críticas em relação à aprovação de uma lei em Goiás que abre a possibilidade de comercialização de excedentes de produção de água superficial e subterrânea. Outro ponto negativo é a falta de controle de despejo de agrotóxicos em grandes plantações com o uso de aviões em Mato Grosso do Sul, que contaminam os rios.

Na avaliação dos pesquisadores, a criação da Agência Nacional de Águas (ANA), "não contribuiu para o acesso à água pela população". A Agência Nacional do Petróleo (ANP), também é colocada na berlinda e ocupa o 11º lugar na lista de instituições mais denunciadas pela omissão quanto ao controle ambiental para liberação de novos postos de combustíveis. No Rio, a assessoria da ANP informou que só libera novos postos após autorização dos órgãos ambientais dos Estados e municípios.

O estudo enumera casos graves de contaminação das águas envolvendo a Petrobras (ver quadro). O gerente geral de Segurança e Meio Ambiente da Petrobras, Ricardo Azevedo, informou no Rio que a empresa não é co-responsável por resíduo não processado por empresa terceira - no caso do Aterro Mantovani. O Ministério Público colocou a empresa como co-responsável, o que é contestado por Azevedo. No Rio Iguaçu, a contaminação por mercúrio foi na área interna da unidade da empresa, disse ele. Quanto ao licenciamento ambiental do gasoduto, ele diz que a Petrobras não faz esse tipo de obra sem a devida autorização.

A Defensoria alerta para o crescimento da contaminação da água do mar. O despejo de esgotos na região costeira do país representava há dez anos a poluição de 5 quilômetros da costa e hoje os vestígios de emissão de esgotos nas águas oceânicas já atingem até 50 quilômetros da costa.

Segundo os dados a serem divulgados hoje, há 10 anos um pescador capturava até 100 quilos de camarão/dia no litoral catarinense. Hoje, não consegue pescar mais que dois quilos/dia. Entre as causas, além da expansão da produção do camarão em cativeiro, o estudo aponta que o aterro artificial para a construção da Rodovia BR-101 eliminou a passagem das águas do oceano para as lagoas Imaruí, Mirim e Santo Antônio.