Título: Déficit na conta petróleo sobe 105%, para US$ 4,78 bilhões
Autor: Cardoso,Denis
Fonte: Gazeta Mercantil, 03/02/2009, InfraEstrutura, p. C4

São Paulo, 3 de Fevereiro de 2009 - A balança comercial brasileira de petróleo e derivados registrou um forte déficit de US$ 4,78 bilhões entre janeiro e novembro de 2008, o que representou um avanço de 105% sobre o saldo negativo de US$ 2,32 bilhões verificado em igual período do ano anterior, segundo dados divulgados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Os números disponíveis no site do órgão que regula o setor diferem bastante dos apresentados recentemente pela Petrobras, empresa que domina quase que totalmente a produção de petróleo e de derivados no País.

Segundo a estatal, o déficit em sua balança de petróleo e derivados alcançou US$ 928 milhões em 2008 - ou seja, no período de 12 meses, o saldo negativo apurado pela Petrobras é infinitamente menor que o rombo na conta petróleo divulgado pela ANP para o período de janeiro a novembro do mesmo ano. Os dados da ANP e da Petrobras apresentados nesta reportagem não incluem os enormes gastos com a importação de gás da Bolívia, que fornece cerca de 50% do consumo brasileiro.

"É um incógnita", diz o professor Giuseppe Bacoccoli ao ser perguntado sobre o motivo para tamanha discrepância entre os valores apresentados pela ANP e a Petrobras. Bacoccoli trabalhou por mais de 20 anos na estatal brasileira e hoje é professor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em seu site, a Petrobras diz que os números da balança comercial divulgados pela empresa "são parte dos números consolidados do País". "Por este motivo, diferem daqueles registrados pela ANP e pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior (órgão da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Fazenda)". Ainda de acordo com a estatal, a balança de petróleo e derivados do País "inclui a movimentação comercial de outros agentes do setor e não apenas da Petrobras". "Mediante autorização específica da ANP, empresas estabelecidas no Brasil são livres para importar e exportar petróleo e derivados, de acordo com suas necessidades, o que de fato vem ocorrendo", acrescenta a companhia em seu site.

Desde a abertura do mercado de petróleo, em 1997, empresas que atuam no País são autorizadas pelo órgão regulador a comprar no mercado externo produtos derivados de petróleo para revendê-los no País. Porém, segundo o professor Bacoccoli, "isso nunca ocorreu". "Não existe um litro de combustível vendido nos postos do País que não tenha passado pela Petrobras", afirma o professor. "Uma empresa não conseguiria trazer combustível do exterior para negociá-lo pelo mesmo valor de revenda da Petrobras", completa o especialista.

Embora haja diferença entre os dados da ANP e a Petrobras, as razões para o déficit na conta petróleo não mudaram em relação aos anos anteriores: apesar de a Petrobras ter anunciado a autosuficiência de petróleo em abril de 2006, o Brasil continua tendo de comprar petróleo leve - de maior valor agregado - e derivados no exterior, e, por falta de refinarias apropriadas, tem de exportar o seu óleo pesado, de baixo valor agregado.

"Por falta de instalações suficientes para refino - faz 30 anos que a última refinaria foi inaugurada no Brasil -, agravado pelo aumento da frota veicular (notadamente o diesel), somos obrigados a comprar cada vez mais derivados", afirma o engenheiro civil e consultor do setor Humberto Viana Guimarães.

Entre janeiro e novembro do ano passado, de acordo com a ANP, o Brasil gastou US$ 26,56 bilhões com importações de petróleo e derivados, 40% acima do valor computado em igual período de 2007. No mesmo intervalo de comparação, as exportações somaram US$ 21,78 bilhões, 31% superior ao valor alcançado entre janeiro e novembro do ano anterior, de US$ 16,59 bilhões.

"O problema é que continuamos a vender petróleo pesado, a nossa maior produção, e comprar petróleo leve, mais caro", compara Guimarães. Segundo a ANP, em média, cada barril de petróleo foi exportado no período de janeiro a novembro por US$ 91,71, enquanto o óleo leve foi importado pelo preço médio de US$ 112,68. "A alta do preço do barril de petróleo, que chegou a bater quase US$ 150 no ano passado, só veio agravar o que já era preocupante", diz o consultor.

De acordo com a Petrobras, influenciaram a balança comercial da empresa "a diferença entre os preços dos derivados importados, principalmente diesel, nafta e GLP, de maior valor agregado, e os exportados, notadamente gasolina e óleos combustíveis".

Teoricamente, as 11 refinarias da Petrobras têm capacidade para processar, no máximo, 2 milhões de barris diários, para um consumo de 1,8 milhão barris/dia. No entanto, na prática, nem todo o óleo extraído do solo brasileiro pode ser transformado em derivados já que o parque de refino brasileiro, erguido a partir da década de 70, foi concebido para processar o petróleo leve, que na época da construção das refinarias era largamente importado do Oriente Médio.

A carência de tecnologia adequada para produzir todo o óleo nacional fez a Petrobras lançar um amplo plano de investimento em novas refinarias, como a construção da unidade Abreu e Lima, já iniciada, em Suape, Pernambuco, que terá capacidade para 200 mil barris por dia e utilizará petróleo pesado. Porém, essa refinaria entrará em operação somente em 2011.

"Esperamos que se cumpra o que está no `Plano de Negócios 2009-2013¿ da Petrobras, ou seja, que as refinarias já iniciadas não tenham atraso no seu cronograma para produção e que as outras unidades anunciadas pela estatal sejam efetivamente construídas", afirma Guimarães

(Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 4)(Denis Cardoso)