Título: Para BC, Brasil está bem posicionado
Autor: Aliski,Ayr
Fonte: Gazeta Mercantil, 20/01/2009, Finanças, p. B2

Brasília, 20 de Janeiro de 2009 - A implantação do regime de câmbio flutuante, dez anos atrás, foi objeto de comemoração direta do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Ontem, em cerimônia realizada na sede do BC, em Brasília, Meirelles destacou a importância do sistema que desde 19 de janeiro de 1999 permite a flutuação das cotações do real frente ao dólar. "Seja sob a perspectiva do balanço de pagamentos, seja sob uma perspectiva macroeconômica mais ampla, o câmbio flutuante no Brasil é um sucesso inquestionável", disse Meirelles.

Meirelles destacou que nesses dez anos o valor médio do real foi de R$ 2,34 por dólar. "Curiosamente, hoje a taxa de câmbio nominal encontra-se muito próxima de sua média histórica pós-flutuação", disse, mas sem deixar de citar os picos de oscilação. A taxa mais baixa foi de R$ 1,32, no início do câmbio flutuante. Mas, em período de extremo nervosismo, às vésperas das eleições presidenciais que elegeriam o sucessor de Fernando Henrique Cardoso, o câmbio atingiu seu ponto mais alto: R$ 3,96, em 22 de outubro de 2002.

Mas mostrando-se defensor convicto do regime de oscilação cambial, Meirelles destacou que antes, sob o sistema fixo, o Brasil enfrentou maus momentos, citando desde as crises de balanço de pagamentos nos anos 1950 e 1960, até a desaceleração econômica de 1990, chegando ao fim do regime de câmbio fixo, em janeiro de 1999. Destacou que, apesar de atualmente o câmbio flutuar influenciado por correntes de comércio, fluxos cambiais "e outros fatores", o governo não está inativo, agindo quando o mercado se torna "disfuncional". "O fato concreto é que o Brasil tem tido um sucesso inquestionável com o regime de câmbio", disse Meirelles. "Quando a taxa de câmbio flutua livremente, o ajuste de preços relativos tende a ser mais rápido e o impacto de choques externos sobre a renda e o emprego tende a ser menor do que quando o câmbio é fixo", declarou ele.

Regulação

Meirelles destacou a importância da atividade regulatória do Banco Central no sucesso do câmbio flutuante, da estabilidade monetária e da saúde geral da economia. "Nunca deixamos que o mercado adotasse padrões de risco e exageros que levaram às perdas e aos problemas que muitos países enfrentam hoje", disse. Ele completou a citação sobre a atividade regulatória do BC destacando que "este é um diferencial do Brasil porque este é um momento sério", em referência à crise mundial. "É um momento grave. É um momento em que estamos vendo uma série de indicadores econômicos preocupantes. Mas, por outro lado, o Brasil está bem posicionado. O governo brasileiro está preparado para tomar todas as medidas necessárias para que enfrentemos essa crise da melhor maneira possível.", afirmou, em declaração que chegou a ser associada por alguns presentes à cerimônia como sinalização rumo à queda da Selic, nos próximos dias. Cauteloso, o presidente do BC disse que não iria falar sobre o juro básico, justamente por ser esta a semana de reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que tem a responsabilidade de definir o rumo da Selic - o resultado da reunião do comitê será divulgado amanhã.

Para comprovar que o câmbio flutuante foi favorável ao Brasil, Meirelles destacou que o déficit em conta corrente foi de, em média, 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no período de flutuação, frente um déficit de 2,1% do PIB entre 1970 até o início de 1999. O presidente do BC destacou ainda que o ingresso de capital estrangeiro via Investimento Estrangeiro Direto (IED) representou, em média, 3% do PIB depois da flutuação do câmbio, contra 1,5% no período anterior, considerando dados a partir de 1970. Meirelles admitiu que o aumento do fluxo de IED deveu-se também ao processo de globalização da economia.

Meirelles destacou que a taxa de risco do País melhorou nestes últimos dez anos. "Quando o regime de câmbio flutuante foi formalmente implantado, com o regime de metas de inflação e de superávit primário, nosso rating soberano era B+ e o Brasil mantinha um programa de financiamento com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Decorridos dez anos, o rating soberano subiu para BBB-, o País é grau de investimento e o Banco Central tem um acordo de troca de moedas com o Federal Reserve norte-americano, sem implicar qualquer condicionamento à nossa política econômica", ressaltou.

Meirelles lembrou que desde que adotou a flutuação cambial, o Brasil enfrentou períodos de calmaria e também de turbulências no cenário externo. "A começar pelo colapso do preço das ações de empresas de alta tecnologia, em 2000; a crise Argentina, em 2001; os ataques terroristas de 11 de setembro, a crise de confiança de 2002 e, mais recentemente, a crise financeira global. Por outro lado, o ambiente mundial foi favorável entre 2003 e 2007", analisou o presidente do Banco Central.

Utilizando outro sistema de comparação além da taxa de negociação de moeda estrangeira, o presidente do BC atribuiu o índice 100 para o valor médio do câmbio na década pós-flutuação. A partir desse índice, a taxa de câmbio real efetiva variou de 58 pontos, em outubro de 2002 (o ponto de maior desvalorização do real) ao topo de 125 pontos, há pouco tempo, em agosto de 2008. Ou seja, indiretamente o presidente do BC comprovou, com números, que o real estava sobrevalorizado até pouco tempo atrás, como reclamavam fortemente setores da economia nacional. O real valorizado estava prejudicando as exportações, tornando os produtos brasileiros mais caros no mercado internacional.

Âncora cambial

A passagem do regime de câmbio fixo para o sistema de câmbio flutuante não foi tranqüila. Até dezembro de 1999, o câmbio pouco variava, herança da origem do Plano Real, que tinha a âncora cambial como um dos instrumentos para garantir a estabilidade da moeda, ou seja, evitar que a inflação voltasse. Mas, sob o clima de crise internacional - o mundo havia acabado de passar pela crise asiática e enfrentava a crise russa - ocorria um forte ataque especulativo sobre as reservas. Sob a crise, que culminou com a dispensa de Francisco Lopes do Banco Central e a chegada de Armínio Fraga, o Brasil abandonou em janeiro de 1999 o câmbio fixo. Logo depois houve um preço a pagar, cobrado pela alta da inflação. Em 2001, o BC mirava um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 4%, com tolerância de dois pontos percentuais, mas a inflação efetiva foi de 7,67%. O mesmo ocorreu em 2002, quando a meta era de 3,5% - com teto admitido de 5,5% -, mas o IPCA chegou a 12,53%. O último descumprimento ocorreu em 2003, quando a meta era de 4%, com tolerância de até 6,5%, mas a inflação chegou a 9,3%. Em 2004, o BC quase não cumpriu sua tarefa: a inflação chegou a 7,6%, sendo que o topo da tolerância era de 8%, considerando o centro da meta de 5,5% para o IPCA do ano.

(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 2)(Ayr Aliski)